21 janeiro, 2008

O Côrno


Não sei ao certo onde li ou escutei uma frase que me chamou muito a atenção pelo seu conteúdo filosófico. Talvez seja um daqueles provérbios chineses ou simplesmente obra de autor desconhecido, mas o certo é que o enunciado a seguir serve também para abrilhantar o cancioneiro popular, bem como nosso folclore. Trata-se nada mais, nada menos, de: "Ser corno é melhor que ser Presidente, pois o mandato de Presidente dura apenas quatro anos, podendo ser prorrogado por mais quatro, e corno não, corno é pra toda vida.
Ainda jovem conheci um senhor de boa situação financeira que morava na mesma cidade e no mesmo bairro que eu residia com meus familiares. Digo conheci porque o avistava sempre, ou seja, conhecia-o de vista pois nunca se fez necessário nos apresentarmos. Mas o que me deixava curioso é que, normalmente, quando aquele próspero senhor passava, alguns dos moradores comentavam baixinho: lá vai ele. Até que um dia o senhor Atanagildo, sendo por mim interpelado com insistência sobre os comentários, resolveu me contar o porquê dos cochichos e me transmitiu a seguinte estória a respeito do tratamento dado àquele senhor: "era o senhor Padilha, pessoa muito generosa e que tendo nascido em uma família muito pobre, havia prosperado com honestidade, coisa rara nos atuais tempos, e desfrutava de bons relacionamentos e livre trânsito em quase todas as esferas de nossa sociedade. O motivo dosa cochichos quando ele passava era por causa de sua condição sócio-matrimonial de côrno.O homem era corno. No entender dos mais velhos ele ostentava uma protuberância invisível debaixo do chapéu e que em noite de lua cheia, à meia noite, todos podiam através de um espelho ver um par de chifres brotando de sua testa.Aí retruquei ao senhor Atanagildo dizendo-lhe que seu relato era pura fantasia, pois se fosse verdade o que se falava a respeito da protuberância existente na cabeça do senhor Padilha, em noite de lua cheia, aqui mesmo no nosso bairro haveria um engarrafamento de chifres pois que é sabido que aqui e em outros bairros da nossa cidade, o que não falta é marido traído o popular corno.
Mas o senhor Atanagildo, aparentando menos idade que o senhor Padilha, me informou pacientemente que nem sempre as coisas funcionavam como hoje onde a tolerância chifral é abrangente.
Houve um tempo, não muito distante, em que a moral de um homem era algo de intocável. Dizia-se até que o sujeito que tinha cabelos nas "ventas" era pessoa de bem. Bigode não era apenas um aparato sexual. Era sinônimo de respeito. A mulher, era de modo geral, pudica. Tinha seus encantos e seus mistérios preservados a sete chaves. Muitos homens casavam virgens, e muitos deles, ao pela primeira vez, ficar cara a cara com uma perseguida, desmaiavam, não se sabendo se de êxtase, de prazer, ou se medo do objeto de desejo tão ansiosamente esperado.
E é desse tempo o senhor Padilha me explicou o senhor Atanagildo. E continuando seu relato disse-me que iria tentar me fazer entender como eram os procedimentos de antigamente, mais não muito antigamente.
Normalmente os jovens se conheciam quando iam à igreja, às feiras livres, nos colégios, em folguedos como nas festividades de São Pedro, São João, na vizinhança e quando o coração disparava ao olhar o amada ou a amada, aí entrando em ação o cupido,aquele anjinho com dois chifrinhos, um rabinho comprido e arco e flecha na mão.
O homem, mesmo naquele época, era mais ousado que a mulher. Dava o primeiro passo. Era também ponto de honra. Sempre tem os mais afoitos, e disfarçadamente tacava um beliscão na sua pretendida.Não confundir com tacar a mão na perseguida.
Já naquela época o corno existia, porém debaixo de muito sigilo, de muita prudência. Dizem as más línguas que esse negócio de corno começou mesmo foi no paaraíso quando Adão comeu a cobra e Eva desconfiou ou me parece que foi a cobra que comeu a Eva e Adão quis quebrar um pau dentro do Éden e depois do barraco foram os três colocados para fora do paraíso. Mais voltando a assunto mais sério: Padilha conheceu sua amada Joventina num salão paroquial numa tarde de domingo,quando os dois tiveram oportunidade de juntos colocarem rolete de cana em palitos apropriados que seriam distribuídos pela igreja em festa a ser realizada à noite e é claro ressarcidos pelos paroquianos. Padre Aristeu, homem bondoso, organizava essas festinhas a fim de angariar fundos para a igreja. Os fiéis davam o material, a matéria prima, as irmãs de Maria confeccionavam os produtos, os irmãos marianos vendiam tudo que havia sido doado aos próprios doadores e o lucro, só se comparando essa situação aos impostos impingidos pelo governo, ia todo para a mochila do padre. Era uma mão na roda, como se diz por aí.
Entre um olhara de peixe morto e outro, um toquezinho de mão involuntário-voluntário, um sorriso e às vezes até um peido era motivo para se iniciar um grande amor, um Love Store . E foi assim com Padilha e Joventina. O namoro, o noivado e o casamento foi de uma rapidez impressionante para a época. Durou somente oito anos.E o casamento foi celebrado com muita pompa pelo padre Aristeu ajudado por seu fiel sacristão Everaldo do Zovão.
Houve um festão naquele dia: ovos cozidos eram servidos aos convivas com uma pitada de sal e uma dose de caipirinha; galinha gorda mataram pra mais de quatro; beiju, pé de moleque e macaxeira tinham aos borbotões.
Hoje em dia, graças a Deus, quando um jovem é apresentado a uma jovem, vão logo trocando beijos e os mais ousados vão logo passando a mão na bunda da donzela. É realmente lindo, mas nos tempos a que me reporto a coisa era braba. O sujeito namorava uma sujeita, noivava, casava e só na noite de núpcias é que o bicho rolava solto, antes não. Antes, nem pensar. Pois bem, com Padilha e Joventina tudo aconteceu da maneira mais tradicional possível. Eles nunca se beijaram durante o período pré-nupcial de oito anos. Nas conversas que mantiveram, Joventina apenas meneava com a cabeça e nunca abria a boca. Motivo: tinha um mau hálito capaz de derrubar até urubu. Ele por sua vez tinha um chulé que, quando tirava os sapatos incomodava até defuntos. Na noite dita nupcial, a lua de mel, os dois entraram meio acanhados no quarto do amor e ele menos inibido declarou à amada que ia banhar-se e perfumar-se para ela. Ela com um meneio de cabeça assentindo como se dissesse sim. No banheiro, após lavar as coisas, ele lavou as meias e escondeu-as pelo lado de fora com a finalidade delas secarem e o odor fosse aos pouco dispersado. Ela o esperava ansiosa e resolveu que quando os dois se reencontrassem em busca do amor, ela iria confessar seu problema íntimo – o mau hálito – pois se ele percebesse por si só talvez gerasse um pequeno problema conjugal. Aí quando ele, lívido, adentrou ao recinto ela lhe disse: querido desejo lhe contar um segredo. Ele, sem deixar-la completar a frase disse-lhe, já sei querida, você comeu as minhas meias, não foi? E assim, desde o início Padilha mostrou-se compreensivo com a amada e viveram felizes para quase sempre, sendo que prosperaram cultural e financeiramente e acompanharam o progresso natural da civilização, quando finalmente conheceram Ricardo, pseudônimo Ricardo Coisa Grande, não se sabendo até hoje o porquê de tal apelido.
Ricardo Coisa Grande foi ficando íntimo do casal e em pouco tempo fez sociedade com o amigo Padilha e a intimidade passou a ser familiar. Primeiro Coisa Grande tomou cafezinhos com Padilha em sua casa (casa do Padilha) em companhia de Joventina ; depois passou a almoçar, primeiro esparçadamente e depois diariamente.A intimidade cresceu tanto que o homem já estava dormindo na casa do Padilha. Coisa Grande era solteiro e tinha uma lábia de derrubar até avião. É como diz o ditado popular: água mole em pedra dura tanto bate até que fura. E vocês devem imaginara que botar gasolina perto de fósforo pra incêndio falta pouco.
Certa noite, estando Padilha em viagem de negócios, e compadre Ricardo (compadre de fogueira) já tendo confessado anteriormente à comadre que tinha medo de dormir sozinho, trauma de infância, medo do bicho papão, comadre, muito caridosa convidou-o a dormir no sofá de sua casa, pois, se este, o Ricardo tivesse algum tipo de pesadelo ela o acudiria.
Ricardinho,era já o tratamento que recebia do casal, para não ser indelicado aceitou o convite da comadre e aquartelou-se no sofá da sala que era próximo ao quarto nupcial. Tarde da noite comadre acordou desesperada com um rato que passara por cima dela e o compadre prontificou-se a ajudá-la e rato pra lá, rato pra cá, pimba, acho que não preciso mais descrever o que se passou pois sendo inteligente você pode muito bem inocentemente saber o que pode ter acontecido. E na manhã seguinte os dois acordaram risonhos, ela dizendo para o compadre: menino você é demais, ta matando a pau! E ele demonstrando cansaço: que nada comadre a senhora é que quase acabou com meu gás. E foram para a cozinha. Ricardo, faça-se justiça tinha sido promovido a Ricardão; comeu uma dúzia de ovos fritos com pão e café passados na hora oferecidos pela sua amiga, agora amasia. Mais vezes Padilha viajasse, mais vezes Ricardo tinha medo de dormir sozinho e mais ratos apareciam no quarto da comadre, até que um dia, um afro-brasileirinho (um neguinho) que fazia recados da família, encontrou por acaso os dois enamorados em colóquio amoroso. Não compreendendo a situação por sua qualificação pudica, na primeira oportunidade que teve, falou o que vira várias vezes, ao patrão. Disse-lhe que quando o patrão viajava, seu Ricardo só faltava matar a patroa. Ficava nu e tirava a roupa dela e depois subia nela segurando um negócio grande, grosso e roliço, tipo um cacete, mais ele não via direito, porém, acha que ele batia com aquela coisa na comadre e tinha horas que ela ficava gritando: aí não! Padilha enfureceu-se, desfez a sociedade com o ex-compadre Ricardo Coisa Grande e aem represália quebrou a cama todinha e como castigo disse que ia mandar fazer uma cama rústica para eles e que a partir daí os dois não dormiriam mais em camas macias e iriam dormir em camas separadas , ela na cama dela e ele na sua própria cama, ambas de pau duro. E assim foi feito. O diabo é que o afro-brasileirinho bateu com as línguas nos dentes fora do convívio do casal e todo mundo ficou sabendo do ocorrido e cada um que soubesse, apimentava mais e mais sobre aquele caso de adultério-consentido igual a uma bola de neve. Foi isso que me contou o senhor Atanagildo sobre a origem da falação do povo quando o senhor Padilha passava.
Aí pensei; que bobagem do senhor Padilha em quebrar a própria cama, se fosse hoje, creio que o marido traído, o corno, ia querer era uma indenização pelo fato do sujeito estar usando sexualmente sua companheira, isto porque é corrente nos dias atuais a filosofia popular de que lavou ta limpo.
Agora para não dizerem que sou um chato, um sujeitinho maldoso, pergunto ao amigo leitor: estou certo no meu raciocínio final ? Você está comigo e não abre ? Ou será que o amigo está preocupado pensando: meu Deus, onde andará minha mulher ?