16 agosto, 2008

Exame


Todos nós nos preocupamos sempre com alguém. É um tio querido, um irmão distante, a esposa, os pais, os avós, a vizinha, etc. Porém guardamos mais fidelidade dentro dessas preocupações, sempre a alguém que nos é mais próximo e que estimamos numa maior escala de preocupação. No meu caso, a muito tempo nutro tal preocupação com o meu amigo, cabo Jeremias, mesmo porque chegou ao meu conhecimento que o mesmo se encontra enfermo há vários dias. Passado alguns dias sem avistar, ao menos de longe, o nosso ilustre amigo, resolvi pela primeira vez visitá-lo em sua residência, em seu castelo, como ele costuma se referir ao seu sagrado lar.
Com o endereço nas mãos segui para o local anotado em meu caderninho, mas tomei o maior susto ao ver que o imóvel onde a aludida autoridade residia era um verdadeiro pardieiro dentro de uma região alagada, assemelhando-se a uma palafita. Porém lembrei-me que sendo o cabo uma pessoa excêntrica, morava ali apenas por capricho, pois com os proventos de cabo reformado da briosa Marinha de Guerra, seu salário não deveria ser tão pequeno assim a ponto de só proporcionar-lhe esse tipo de moradia, mesmo porque recentemente vi alardeado na imprensa falada, escrita, televisada que os militares tiveram um polpudo reajuste em seus vencimentos.
Perguntei à sua esposa por ele e esta me respondeu que a dias o mesmo se encontra acamado; desde o dia que foi fazer uma exame de toque não sei onde, voltou triste e andando com as pernas abertas e soltando gemidos. Manda dizer a todo mundo que está convalescendo e sua alimentação tem que ser canja de galinha gorda.
De repente cabo Jeremias adentrou a sala vestindo um pijama surrado. Cumprimentamos-nos e iniciou a descrever seu calvário no procedimento do exame de próstata. Primeiro,como sempre, foi logo fazendo comparações entre seu exame e a estória que a seguir me contou: a estória é essa: " Dizem que antigamente os animais falavam iguais aos seres humanos. Certo dia uma embarcação naufragou em alto mar e levava consigo várias espécies de animais. Todos morreram afogados, exceto um Leão e um Jumento que foram parar numa ilha deserta. O leão se chamava Robson e por ter encontrado o Jumento próximo a um final de semana, apelidou-o de sexta-feira. O espírito de sobrevivência uniu aquelas duas criaturas que a cada dia ficavam mais amigas, mais íntimas.
Um dia sexta-feira disse para Robson: estamos à tanto tempo juntos aqui nessa ilha, só nós dois, e já estou sentindo falta de uma perseguida. Robson rugiu e foi logo esclarecendo que não era Ney Mato Grosso, mas menino eu sou é ôme ! De tanto sexta-feira azarar o juízo de Robson este começou a ver rastro de cobra e couro de lobisomem. Para encurtar a estória, os dois chegaram a um acordo de recíproca feminilidade. E esse acordo só foi possível porque sexta feira (o jumento) abriu mão e deixou ser a fémea primeiro. Foram para trás de uma moita e lá o Jumento foi executado carnalmente, chegando a vez do Leão. Quando o Leão se viu penetrado pelo jumento começou a gritar: as bolas, as bolas, O jumento lhe disse: as bolas eu boto depois e o leão em desespero gritou: não estou falando dessas bolas porra! São as bolas dos meus olhos que estão saltando.
Pois bem, disse cabo Jeremias: acho que tive meu dia de leão naquela manhã fatídica em que concordei em fazer o tal de toque retal.
Há mais de quarenta anos que os médicos vêm recomendando que eu me submeta a tal exame. Por puro preconceito machista tenho adiado constantemente tal
procedimento.
Após marcado o dia do exame, comecei a ter pesadelos, talvez dada às minhas preocupações, e em um deles eu era um traveco e um negão, ou melhor, um afro-descendente gigante, com uma carapinha que mais parecia um espanador aloirado, me olhava e dizia: sou Ronaldão, o príncipe do travecão. E começava a beijar minha boca. Acordei assustado e só aí percebi que a cachorra da vizinha estava lambendo minha cara.
Me preocupava ainda o fato de conhecer vários casos sobre o assunto. Um deles foi o de Toinho Cassote que até hoje, ele que era triste e depressivo, vive muito alegre e sempre que pode cantarola a letra de uma música muito bonita intitulada "I will survive", um verdadeiro hino.
Zé Abdias era um jovem tímido mais ao fazer pela segunda vez tal exame, ou seja, um ano após o primeiro, depois do procedimento saiu-se com uma trova que repete sempre:"doutor, o que foi que aconteceu? Foi seu dedo que ficou fino ou foi meu anus que encolheu!
Esses relatos faziam com que não conseguisse dormir por vários dias imaginando qual seria minha reação diante dos fatos. Uns diziam que gostou, outros não queriam mais nem ouvir falar de tal assunto. O caso de Biu Creca também me chamou muita a atenção, pois foi muito comentado entre os amigos à época. Para fazer o exame, Biu foi quase que amarrado ao consultório e depois de se submeter ao procedimento, ao regressar à sua casa, entrou em depressão. Não comia, não bebia, não fumava, não, também, até que diante da gravidade foi chamado um padre para lhe confessar, pois parecia que sucumbiria a qualquer momento e esse se abrindo para o padre (no sentido literário) queixou-se de que o doutor depois que fez aquilo com ele, desapareceu; não mandou nem um bilhete, não telefonou, não mandou recado e ao menos nem um e-mail, nada.
Agora, diante da possibilidade de vir a sofrer enfermidade de grau muito mais elevado, deixei o preconceito de lado e me dispus a realizar tal façanha. Amigos que habitualmente se deixam examinar, me incentivaram e disseram que não era incômodo; não doía, não deixava qualquer tipo de seqüelas. O médico procedia de maneira atenciosa, com delicadeza profissional.
Não foi o que aconteceu comigo, O doutor mandou, para meu desconforto, que eu tirasse as calças e a cueca e ficasse de quatro de bunda para cima e não sei o que ele enfiou na minha caixa acústica; só sei que foi meu dia de Leão ou Robson. As bolas dos meus olhos quase saíram e dei o maior grito. Acho que o grito foi tão alto que uma idosa na sala de espera perguntou: é o tarzan? Ele retirou o instrumento de perfuração anal de dentro de mim e aí mijei o consultório todo. Mas apesar do constrangimento e do incômodo numa região onde até hoje só saía coisas e jamais fora visitada ao menos por um supositório, estou satisfeito, pois o diagnóstico me foi favorável.
Perguntou-me Jeremias se eu já havia feito tal procedimento. Diante da negativa aconselhou-me a procurar um urologista para fazê-lo, acrescentando um conselho de amigo: seja homem, faça o exame de toque retal.
Saí dali decidido a fazer tal procedimento que me garantirá um futuro mais saudável e ao mesmo tempo com uma preocupação a menos sobre o amigo Jeremias, que já se mostrava mais animado.
Aí pergunto ao leitor: vais querer ser homem também ? Então siga o exemplo de macho do nosso amigo Cabo Jeremias.