23 fevereiro, 2008

Cabo Jeremias III



Às vezes, nos momentos de folga do trabalho, gosto de sentar na minha cadeira do papai e ficar rememorando alguns fatos ocorridos no dia ou anteriores. Nos últimos anos acrescentei ao meu ciclo de amizades uma boa quantidade de amigos comuns, inclusive há algum tempo atrás consolidei uma grande amizade com uma excelente pessoa, um militar aposentado cuja patente é a de Cabo, o Jeremias. Tenho observado que entre seus pares, Cabo Jeremias goza de uma boa reputação e carinhosamente é chamado pelos seus, de cabo velho. Esse pessoal marítimo tem uma maneira interessante de se comunicar que nos, não pertencente ao meio, ficamos um pouco deslocados. Lembrei-me que, outro dia conversava com meu mais recente amigo, o cabo Jeremias, ou o cabo velho, quando outro militar se dirigiu ao meu amigo e perguntou: o que vai ser o rancho de hoje ? Ele respondeu: mulher de cabo velho. Pela minha cara Jeremias deve ter notado que eu estava confuso e me explicou: mulher de cabo velho, no caso, é uma qualidade de alimento ,ou seja, dobradinha ou bucho. Curioso perguntei se ainda existia outros nomes interessantes a serem usados no cotidiano e ele me ilustrou com os que lembrava no momento, que eram: sandália de kung fu – filé de peixe frito; granada – almôndega; galinha atropelada – galinha ensopada; macaco no cipó – macarronada com salsicha; farda azul – burrinha; chapéu branco – tapioca; Quincas – marujo; cão – sargento; pequenos furtos – gato; bailéu – cadeia; corda – cabo, e muitos outros.
No momento ele só se lembrara dos nomes supramencionados, e como uma conversa puxa a outra, ele me comunicou um breve relato sobre um marinheiro de sua época de nome Laertes e o fato, de tão interessante, merecia ser lembrado. Iniciou assim: Laertes era um bom marinheiro. Um dia desapareceu do navio só retornando vários dias após. Como sua ausência ultrapassava certa quantidade de dias, ele era considerado desertor e responderia a um processo e poderia ser expulso da Marinha. Sendo sua primeira falta e por ser homem de confiança do Comandante do navio, este, por sua própria conta e responsabilidade resolveu dar uma oportunidade a Laertes. A falta fora historiada em um livro de anotações de bordo que recebe o nome de livro de contravenções ou livro de castigo e Laertes foi encaminhado ao Comandante do navio para uma audiência, a fim de justificar seu ato, ou seja,sua ausência.
O comandante pacientemente indagou de Laertes onde ele esteve esse tempo todo e ele disse ao comandante que não sabia. O comandante achou que o marujo poderia ter tido um lapso de memória, amnésia; poderia ter sido abduzido. Olhou para Laertes e com voz calma, pausada, apassivadora, perguntou-lhe: você está se sentindo bem?
Está doente? E o marujo lhe respondeu afirmativamente. O Comandante mais uma vez, com brandura, procurando transmitir-lhe confiança, perguntou: que você acha que tem? O que sente? Já aconteceu fato semelhante outra vez? Laertes respondeu que não mais achava que estava muito mal. O comandante insistiu: mas que você acha que tem realmente? Laertes respondeu: acho que estou com disenteria cerebral. O comandante não ouvira direito e mandou que ele repetisse o nome da doença e ele repetiu: disenteria cerebral. O que vem a ser isso? E o marujo em cima da bucha: tudo que penso dá em merda. A paciência do homem tinha limites; determinou que Laertes fosse colocado a ferros (prisão) por dez dias consecutivos, pois achava ser esse um santo remédio para o mal dele. Depois dessa recordação da conversa que mantive anteriormente com cabo Jeremias estou sonolento e preciso descansar um pouco. Espero em breve me encontrar com o admirável cabo Jeremias para através de ele lhe enviar uma nova e inocente estória vivida.

Cabo Jeremias II



Fazia algum tempo, alguns meses até, que não conversava com meu estimado Cabo Jeremias, brioso militar da Marinha do Brasil que sempre nos brinda com uma de suas narrativas que muito prende a atenção de todos e que sempre deixa no ar aquela pergunta que não quer calar: será?
Narrei ao brilhante militar aposentado uma estorinha que me contaram ainda na minha infância e que procuro reproduzira a seguir: "Um fazendeiro muito rico, sendo viúvo, mandou seu único filho estudar na capital. O jovem muito esforçado, às vezes enviava uma cartinha ao pai solicitando ajuda financeira. Por praticidade repetia sempre
o mesmo texto que era: papai, aqui tudo bem, mande-me dinheiro para as despesas. A vovozinha do rapaz levava o bilhete ao genro e lia o que ali estava escrito com um tom agradável, com carinho. O pai sensibilizado atendia ao pedido e comentava orgulhoso que a cada dia o filho ficava mais amável com ele. O capataz da fazenda nutria pelo jovem uma verdadeira inveja doentia. Certo dia a vovozinha estando ausente, quem leu a carta dirigida ao pai, que não sabia ler, foi o capataz, que de maneira ríspida e proposital a leu num tom bastante autoritário. O velho fazendeiro ficou irado com o tom da narrativa e achou que o filho fora prepotente e nenhum dinheiro lhe enviou. Passado alguns meses o rapaz enviou o mesmo texto de sempre. Dessa feita vovó estava na fazenda e levando a carta ao fazendeiro, leu-a com a entonação e o carinho de sempre e o fazendeiro não só se prontificou em mandar a quantia pedida e fez ainda o seguinte comentário: ta vendo, foi só engrossar que ele baixou a crista e voltou a me paparicar." Comentava o fato com o meu amigo Cabo Jeremias, aliás, sinto-me gratificado com essa amizade, o fato de que uma frase pode alcançar significado diferente devido a sua sonorização; depende do locutor e do interlocutor ao mesmo tempo. Jeremias, já estamos mais íntimos, achou interessante resmungando apenas: é a fonética meu caro.Dependendo da entonação e de quem a lê pode causar efeito diverso.Ao final do meu relato, como ,era de se esperar, Cabo Jeremias disse-me que o fato lhe lembrara uma outra estória bem parecida com a que contei e começou assim: quando ainda estava em serviço ativo presenciou um fato interessante mas primeiro iria fazer um prólogo para que eu, sendo civil, entendesse melhor a narrativa. Disse-me que na Marinha existe um excelente serviço de assistência médica para atender ao pessoal da ativa, como também aos inativos e seus dependentes e que esse serviço é conhecido pela sigla FUSMA (Fundo de Saúde da Marinha). Quando o ilustre cabo Jeremias se alistara na Marinha o FUSMA , com a mesma finalidade, tinha uma outra denominação que era AMSA (Assistência Médica para o Serviço da Armada), porém, nem todos os dependentes dos militares eram assistidos por esse serviço. Somente os que contribuíam primeiro, em forma de carência, ,por dois anos consecutivos. A partir daí a coisa estava legalizada. Nessa época existia na Marinha uma regra muito oportuna que era uma promoção concedida ao praça de graduação suboficial, que ao ser transferido para a reserva, tinha o direito de requerer uma promoção a oficial e retornava ao serviço ativo com a patente de oficial. Naquela época, nem todos os suboficiais eram letrados como os de hoje mas eram homens de um profundo conhecimento profissional invejável. Nunca me disseram o porquê , porém me disseram que esses oficiais recebiam o apelido carinhoso de TERERÉ.
Certa noite, estando de Oficial de Serviço um Tereré, no hospital naval que atendia a mulheres em trabalho de parto, a maternidade, adentrou um marinheiro todo malimolente, cheio de gingado, usando termos como meu irmão, chefia balacobaco, acompanhado de uma mulher de baixa estatura, com a barriga a denunciar aproximar-se o fim da gestação, chorosa e com hematomas nos braços e no rosto. O experiente Tereré olhou aquele quadro de longe, a postura de malandro do marujo, e percebeu logo que aquilo só podia dar em um sete um e que aquela praça devia ser um menino de ouro, se derretesse não dava um anel. O Quincas (apelido de marujo à época) apresentou-se com a saudação militar de praxe que é a continência, por sinal, muito mal feita, e foi logo falando: chefia to aqui perante vossa excelência solicitando internação aqui pra minha nega que ta a ponto de despejar a barrigada no meio da rua. O Tereré, diante do quadro, a mulher chorando, o menino quase botando a cabeça de fora, piedoso que era, perguntou ao marujo: diga-me jovem marinheiro, você é sócio da AMSA. E o marujo quase não o deixou concluir a frase e respondeu: sou sim senhor. O veterano oficial olhou de novo para aquele marujo e sua intuição lhe dizia, cuidado isso é chave de cadeia, você está lidando com sangue ruim. E por precaução repetiu várias vezes a pergunta: marujo, você é sócio da AMSA e ele sem pestanejar respondia sou sim senhor. Foi providenciada a internação da mulher, o parto fora prematuro, houve complicações de tudo que foi jeito. A mulher era uma tremenda baixaria, reclamava de tudo e com todos. Esnobava dizendo que aquilo não era hospital e sim um chiqueiro e outras arbitrariedades mais. Papelada vai, papelada vem, descobriu-se que a mulher não era esposa nem dependente do marujo e sim uma prostituta não sindicalizada que passara uma noite de amor com o dito cujo e pior o marujo não era sócio da AMSA . Assim sendo as despesas recairia sobre quem a autorizou a internação que era nada mais nada menos o nosso experiente oficial Tereré. O Tenente ficou irado e providenciou a vinda do marujo imediatamente ao hospital e esse já chegou na companhia de uma escolta de Fuzileiros Navais. O Tenente subia nas tamancas de tanta raiva, não por ter que indenizar o hospital, mais porque depois de quarenta anos de serviço fora ludibriado
Por um marujinho qualquer. O marinheiro, impecavelmente fardado, parecia um sacristão de tanta humildade que aparentava. Estavam reunidos no salão, o Diretor do hospital, o vice-diretor, o intendente com a planilha de gastos à mão, outro tereré que de vez em quando dava um sorriso de gozação, o tereré vítima, a mulher com a criança no colo chorando e peidando a toda hora , a escolta de fuzileiros, o capelão, a maioria surumbácta. O Tenente, com ares raivosos, na frente de todos os presentes dirigiu-se ao marujo e com a voz irada, muito pê da vida, perguntou: marujo, naquela noite que você apareceu aqui com a mulher quase parindo, você lembra que eu por várias e várias vezes perguntei a você: marujo você é sócio da AMSA e você me respondia, Sou sim senhor. O marujo falou: meu idolatrado chefe,está havendo um mal entendido nisso tudo. Naquela noite em que procurei ajudar essa pobre senhora que padecia de dores aí no portão do hospital sem que nenhuma assistência lhe fosse prestada por tratar-se de pessoa sem uma ligação direta com o meio naval, e intuindo que poderia encontrar uma pessoa do seu gabarito que pudesse se condoer da situação dessa pobre indigente, dirigi-me a vossa senhoria e pedia ajuda. Naquele momento tudo ficou confuso e a emoção deve ter invadido o coração de todos e realmente o senhor me fez várias perguntas, não nego e respondi a todas. Só que naquela confusão toda eu entendia que o senhor me perguntava: marujo você ta na onça e eu lhe respondia tô
sim senhor. E o resultado é que o marujo foi solto e o tereré infelizmente arcou com todo o prejuízo. Aí olhei para Cabo Jeremias e notei um leve sarcasmo no jeito em que me olhava. E sem me dar tempo de tirar qualquer conclusão sobre essa fantástica estória começou a me contar outra iniciando-a assim: "na Marinha existem dois tipos de militares. Os marinheiros propriamente ditos e os fuzileiros navais. A princípio os marinheiros guarnecem os navios e os fuzileiros, tropa de terra, guarnecem os quartéis. Isso dito de forma simples e genérica.Os fuzileiros são chamados de fuzileiros navais são militares destinados a embarque e desembarque de tropas entre outras atribuições. É uma tropa bem preparada e muito conceituada no âmbito naval. Certa vez, continua Cabo Jeremias com seu relato, faleceu um dos mais abnegados Almirante do Corpo de Fuzileiros Navais – faleceu de morte natural – e foram providenciados todos os preparativos a fim de que seu funeral o homenageasse post-morten, à altura do valoroso oficial que fora em vida. Por ocasião do enterro, presente muitas autoridades, convidados de outras Forças Armadas, o Clero, os políticos, os empresários; enfim toda a nata da sociedade fazia-se representar. Na última hora surgiu um imprevisto; o corneteiro que iria executar o toque de silêncio, ponto alto do funerário, havia sofrido uma disposição estomacal e fora levado às pressas a uma enfermaria móvel. O oficial responsável pelo cerimonial imediatamente escalou outro fuzileiro, um jovem militar de boa aparência, alto, forte, porte e atitudes marcial, para substituir ao que passara mal. Era chegada a hora do sepultamento. O Capelão Naval dava as ultimas recomendações ao "de cujos" para quando ele entrasse no céu. A viúva , era do segundo casamento, era bastante jovem e todo mundo queria abraçá-la e apresentar-lhes suas condolências. Tinha um cabo velho responsável pela faxina do cemitério, que só pensava besteira, cochichando ao ouvido de um soldado dizia: agora que o homem bateu a caçoleta ta todo mundo querendo tirar uma casquinha na viúva.
A guarda já estava formada, a banda de música executava o tango de Carlos Gardel que era a preferência de sua Exa. Quando em vida terrena. Houve uma salva de bem uns quarenta tiros. E o oficial do cerimonial determinou em bom tom: Corneteiro toque Silêncio. O corneteiro fez uma malabarismo com a corneta digno de um malabarista do circo de Soleil, levou-a aos lábios carnudos e sensuais e de repente, ao invés de soprar a corneta, começou a chorar. O oficial , pensou: Deus, o fuzileiro é biba ! E repetiu a ordem com mais ênfase: Corneteiro toque de Silêncio. E tantas vezes o oficial ordenasse o toque de silêncio, tantas vezes o fuzileiro fazia a firula com a corneta e ao direcioná-la aos lábios vinha o copioso choro. A viúva vendo o emocional do militar, condoeu-se daquela situação e pediu para o responsável pelo cerimonial que dispensasse o toque de silêncio e o pobre homem fosse liberto daquele sacrifício, pois ele deveria ser um dos grandes admiradores de seu ex marido. O toque foi omitido e o cerimonial continuou agora com muito mais condolências e abraços efusivos na viuvinha.
O comandante do corneteiro, presente à cerimônia, presenciou tudo e não ficou nada satisfeito e depois que o Almirante foi encaminhado ao céu, mandou chamar o fuzileiro chorão para as explicações de praxe. Perguntou se o falecido Almirante havia prometido alguma coisa, em vida, ao corneteiro e este respondeu que não. Perguntou se servira muito tempo com o de cujos e a resposta foi não senhor. Perguntou qual a admiração maior que ele sentira pelo seu ex chefe, respondeu que nenhuma. Perguntou de onde conhecera o dito e mais uma vez respondeu que nunca o vira antes daquele dia, no caixão. Aí o Comandante já meio estressado perguntou por que ele chorava tanto por ocasião do cerimonial e o corneteiro respondeu humildemente: é que ainda não aprendi a tocar silêncio. É claro que não posso duvidar de um militar de tamanha patente, mais às vezes, confesso, fico um pouco balanceado com relação à lisura do ilustre amigo militar. Nos despedimos cordialmente e mais uma vez cabo Jeremias prometeu que em breve me contaria mais uma de suas estórias vividas ou observadas durante o pequeno interregno de quarenta anos que passara na Marinha. Vamos ficar no aguardo.

A coragem



Diante do perigo iminente é que descobrimos se temos coragem ou não, ou seja, se somos corajosos ou se somos covardes. Devemos levar em consideração os dois tipos principais de coragem, a física e a moral. E é da coragem moral que pretendo discernir, apresentando um pequeno relato sobre um jovem detentor das duas coragens e que infelizmente no decorrer de sua vida perdeu uma delas.
Confesso minha admiração pelo protagonista deste pequeno relato que ora inicio e ponho à sua inteligente apreciação.
Epaminondas era nosso líder, quando crianças, no bairro pobre em que nascemos e vivíamos as mais variadas aventuras ou por não dizer, nossas travessuras.
Era uma criança agitada, superativa, líder em nossas empreitadas. Foi o primeiro da turma a fumar, a beber escondido, a furtar dinheiro da carteira de cédulas do pai, a mentir, trapacear; quem mais desrespeitava os mais velhos; o primeiro do grupo a ser expulso do colégio; o mais fujão – vivia fugindo de casa e também era o que mais apanhava dos pais. Para nos, um bando de molecotes, um grande exemplo.
Na adolescência nosso grupo iniciou, como quase todos os grupos infantis, a sua diáspora. Alguns permaneceram na cidade ou no mesmo bairro; outros se escafederam e foram para bem distante; dizem que alguns foram para a baixa da égua, de tão distante que foram morar.
Epaminondas, não,continuou ali na sua cidade maravilhosa e cresceu nos mesmos ensinamentos de dantes. Ou seja, dentro da maior safadagem, malandragem, picaretagem e outros agens. Tornou-se um grande experto em muitos assuntos. Enganava, trapaceava e iludia os quantos podia e devido à sua grade e prática esperteza, jamais fora pego com a "boca na botija".
Soube tempos atrás que Epaminondas havia juntado os trapos com uma ex-colega de infância, a Célia Peito de Porca, apelido colocado pelo próprio Epaminondas, quando ainda crianças, pois ao ver Ceinha ajudando uma porca a amamentar seus filhotes colocando o peito da mãe (a porca) na boquinhas dos filhotes, começou a difamação através do tal apelido.
Epaminondas, segundo soube, tornou-se um guapo rapaz, Célia também uma bela mulher. Epá (tratamento carinhoso de Epaminondas), desde a mais tenra infância era preconceituoso ao extremo, não em relação à cor da pele, mais sim com a beleza exterior das fêmeas humanas. Costumava repetir o jargão popular de que mulher feia e jumento só o dono procura. E mulher feia e urubu, dizia, comigo é na pedrada.
O que admirávamos mais nele era sua coragem. Tanto a física quanto a moral .Dizia-se dele: este tem coragem de mamar até em onça.
Juntaram os trapos ou como se dizia antigamente, se amigaram. Hoje é União Estável. Célia era um pedaço de mau caminho e logo cedo despertou ciúmes em Epaminondas que começou a dar conselhos a ela para não conversar com homem no meio da rua e muito menos aqueles cumprimentos de beijinho pra cá, beijinho pra lá, que graças a Deus inventaram sob o manto falso do social. Ela muito arisca, de vez em quando encontrava um ex, que não eram poucos, e aí vinham os selinhos pra lá, selinhos pra cá, beijo inocente pra lá, mais inocentes pra cá, e quando Epaminondas sabia, o homem ficava uma arara e a casa só faltava vir a baixo. Primeiro foram os xingamentos, depois as provocações do tipo: bate se você é homem. Ta pensando que boi deitado é vaca meu! Comigo é bateu levou; Há meu filho, comigo lavou ta limpo, e os xingamentos foram evoluindo, a baixaria aumentando até que um dia ela disse em público: você não levanta mais nem os próprios pés sou mais o Tonhão. Você ta brocha. Aí rolou a primeira bifa. Após o ato houve choro, juras, perdões, e tudo continuou como dantes. Tendo ouvido falar que mulher gosta mesmo é de apanhar, Ele, achando-se um filósofo, começou a bater na companheira todos os dias por motivos fúteis.Tinha uma vizinha evangélica a quem Célia confidenciava seus particulares e falava que já não agüentava mais de tanto apanhar. A vizinha, bondosa ao extremo, querendo amenizar o sofrimento daquela irmã, e por ser conhecedora das primeiras letras, começou a buzinar aos ouvidos da apanhante para que ela procurasse uma delegacia da mulher e prestasse queixa dos espancamentos, pois existia uma lei, baseada nas escrituras, que recebeu o nome de uma santa que apanhava muito de um santo e que o agressor, dentro de quarenta e oito horas após a denúncia ficava proibido de adentrar na sua casa, tempo esse que as autoridades utilizavam para procurar levantar um local e esconder a agredida, enquanto correria o processo, proteção essa denominada proteção presumida e também se o delatado não cumprisse a lei seria jogado no xadrez onde o código marginal condena homem safado que bate em mulher e em poucos horas o cabra entrava na cadeia com ares de Lampião e em poucas horas era transformado em Maria Bonita. Ela, Célia , a princípio não queria prestar queixa na Delegacia, mais como água mole em pedra dura tanto bate até que fura, devido aos conselhos sábios daquela vizinha bondosa e evangélica, uma santa, aquiesceu e comunicou o fato à delega, acrescentando uma coisinha a mais aqui e ali conforme lhe ensinara sua instrutora evangelizadora. Chorosa, se fazendo de santa, forjou sua versão. Até o carcereiro chorou ao ouvir o relato.À medida que ia falando a Delegada ia inchando de raiva e se pudesse não man dava prender tal meliante e sim , mandava era matá-lo.Finalmente foi digitado o Boletim de Ocorrência, o famigerado BO, tendo surgido o primeiro entrave. O que relato a seguir vai parecer mentira, mas a delegacia, no momento,, não dispunha de uma viatura para levar a intimação ao acusado e mais incrível ainda, coisa raríssima de acontecer, não dispunha no momento de um funcionário para entregar a intimação a Epaminondas. Aí alguém teve um lampejo de inteligência, coisa comum ao recinto, e sugeriu que a queixante levasse pessoalmente o documento para o acusado, o Epaminondas.Isto posto e aceito por ambas as partes, Célia levou pessoalmente o documento ao seu algoz, o Epaminondas, e este todo contente começou a ler o documento que a princípio pensou tratar-se de alguma poesia que a amada teria feito para ele, e ao ver que se tratava de uma deduragem, sentiu-se traído e mais revoltado que antes baixou de novo o cacete (no bom sentido) em Celinha que, quando se viu um pouco livre das garras do enfurecido amante, fugiu só com a roupa do couro, já meio aesfarrapada e gritava que nunca mais ia dar parte de alguém, nem confiar em papo furado de vizinha evangélica e escafedeu-se. Até hoje, passado já tanto tempo, ninguém soube de notícias dela. Alguns acham que foi para afora do Brasil, para o exterior.
Dias após Epaminondas viu a ficha cair e refletindo sobre o que fizera, despertado por uma paixão perdida, prostou-se na mais cruel das deprê. Não comia, não bebia, não mijava, não, também, isolou-se do mundo, andava que nem côrno, de cabeça baixa, choromingava a toda hora, flatulava tão mal cheiroso que os urubus ao passar perto dele cruzavam as azas sobre o peito, tudo por causa da saudade de sua amada e também porque já estava se acostumando às seções de pancadaria que proporcionava a sua ex amásia.
Por insistência dos amigos foi levado por estes a um psicoterapeuta. Este, após várias seções aconselhou ao seu paciente a iniciar novo romance. A perda de um amor só é recuperada com o início de outro novo amor. Ninguém, ou seja, nenhuma moça virgem ou não, não ia querer envolvimento com um homem que era acostumado a bater em mulher. Um dia alguém insinuou que ele devia procurar a Internet, orkut ou seja uma sala de bate papo, pois só assim ele poderia pegar uma besta. Depois se casasse não tinha mais jeito¸tinha que segurar o tranco. E foi aí que o feitiço virou-se contra o feiticeiro. Dizem os que conviviam com Epaminondas que seu calvário iniciou-se a esse tempo. Ou seja ,com a participação do orkut.
A internet mudou muito a vida do Epá; hoje ele vive pelos bares todo maltrapijlho, embriagado, barbado, pouco asseado e só volta para casa conduzido pelos braços de pessoas amigas e talvez por indução dizem também que a Internet foi a culpada em parte por aquele infortúnio.
Seguindo a orientação de seu psicoterapeuta e de amigos mais íntimos Epaminondas conheceu Maria Antonia, que durante as trocas de fotos parecia ser uma linda mulher. Loira, embora não aparentava a pouca idade que dizia ter. Confidência para lá, confidência para cá, foi crescendo a simpatia, a amizade, os pontos comuns, as mesmas zonas erógenas, a atração inicial era espiritual, depois carnal, o namoro, o pedido de noivado, os presentes trocados e finalmente o casamento virtual. O casamento real deu-se por correspondência tendo o noivo sido substituído e representado pelo pai da linda donzela, a Maria Antonio que a esse tempo já se tratavam com intimidade: ele Epá e ela Toinha.
Feito os preparativos para a lua de mel, a noiva de tudo fez para somente se encontrar com o noivo (esposo) bem tarde da noite e no ninho nupcial. Na imaginação de Epaminondas, Antonia era uma sósia de Julia Roberts. Quando adentrou ao recinto teve vontade de gritar, mas seu aparelho respiratório embargou o fonador e o máximo que pode pronunciar bem baixinho, sufocado, foi: que é que é isso minha gente!Lhe venderam gato por lebre, pois de Julia Roberts a mulher não tinha nem o joanete, se é que a bela o tem. Ele achou a mulher que acabara de contrair matrimônio um bucho, uma briga de foice. Só sendo castigo, praga da ex vizinha evangélica, aquela língua de trapo. Quando ela disse boa noite meu amor, ele bastante transtornado replicou: ai Jesus, o que foi que você andou botando na boca mulher? Ela prontamente respondeu: é que coloquei uma ponte. E ele, laconicamente, acho que tem um cavalo morto debaixo dela! Foi dizendo essas palavras e a seguir desmaiou. Quando despertou do desmaio saiu correndo, apeiou-se no primeiro copo sujo (boteco) e ali, naquele momento começou a sua vida de ébrio. Dizem que quando não consegue bebida alcoólica, bebe até leite de caixinha (aquele com soda cáustica) ou então gasolina e temos aí um exemplo da perda da coragem moral e seu estado normal e o etílico constante. Nos poucos momentos de lucidez, quando acorda de uma ressaca e consegue balbuciar alguma coisa, apenas diz: fui iludido, ela me paga. E se alguém pergunta: ela quem ?
Responde baixinho, ofegante, gutural: a Internet.
Você que teve a paciência de ler este pequeno relato sobre Epaminondas, seus desatinos, seu destino, sua coragem, deve estar se perguntando: será culpa da Internet mesmo, ou de quem? A minha resposta é: não creio. Meu parecer é de que Epaminondas durante sua ousada caminhada até o matrimônio arrefeceu de sua coragem. Não a física e sim a moral, quando por pura covardia deixou de enfrentar a pouca beleza ou baixa sensualidade de sua oficialmente esposa e entregou-se de maneira vil e covarde ao vício da embriagues. Portanto se é pra casar não beba, mas se é para beber não case. Se já casou e ela é bela, não a maltrate. Se for feia tenha coragem moral suficiente para reconhecer nela tantas outras qualidades. Cuide-se, pois de nada adianta ter coragem física se não souber manusear sua coragem moral.

O analfabeto


Juvenal , assim como tantas outras crianças pobres, sonhava um dia encontrar uma botija enterrada no quintal de sua miserável casa. Sonhava muitas vezes que poderia ser um político honesto que cumpriria todas as promessas de campanha, não compraria votos dos eleitores, não apontaria os podres dos companheiros e não legislaria em causa ou benefícios próprios. Em seus devaneios pensava também em ser um profissional da medicina, caridoso, sensível aos apelos de seus pacientes, pronto a ajudar os menos favorecidos economicamente. Eram esses pensamentos influência de estórias que ouvia dos mais velhos, pois na realidade não tinha uma noção exata do que poderia ser um político honesto ou um médico caridoso. Mesmo sendo uma criança era muito trabalhador e tinha um grande defeito que era o de se irritar com facilidade quando executava uma tarefa qualquer e um dos irmãos ou amiguinhos vangloriava-se de ter feito o trabalho querendo puxar a brasa para a sua sardinha, os famigerados pucha-sacos, aí nessa hora, diante de tanta malandragem, devido à sua timidez ou falta de coragem moral dizia baixinho: filho de uma ronca e fuça, ta gozando com o pau dos outros.
Vivia essa criatura, a sua miserável infância, numa cidadezinha do nordeste, uma das menos adiantada, pior que Caetés, naquela época. Tinha uma alma generosa e apesar de nada poder contribuir aos menos necessitados, compensava a falta de recursos com prestação de pequenos serviços, recados, acompanhamento pessoal a enfermos e idosos, e escutava com paciência os quantos lhe procuravam ou procuravam os seus préstimos, o seu apoio físico ou moral apesar de sua pouca idade.Diziam ser ele um iluminado.
Logo cedo perdeu os pais vitimados por uma epidemia que, embora fique difícil de acreditar, assolou quase todo o nordeste do país. Esse rincão abençoado a quem os políticos gostam tanto de ajudar, principalmente quando se aproxima as eleições.
Juvenal, ainda muito criança, tendo perdido seus principais entes queridos, após muitas lágrimas, muito pranto, muito choro – naquela época os filhos choravam a perda de seus pais ao contrário de hoje que a vida toda, uma grande maioria, além de desrespeitar e contrariá-los, ainda tem os que matam ou mandam matar seus progenitores para ficarem com alguma herança, às vezes tão insignificantes como uma panela de pressão. Juvenal, não, chorou e derramou lágrimas sinceras no túmulo improvisado debaixo do cajueiro no quintal da casa de seus falecidos entes.
Irmãos, tios, avós não os tinha, não puderam assumir a paternidade, a proteção a Juvenal.
Sujo, roupas em farrapos, mal cheiroso, pés inchados e rachados, pele ressecada pela ação causticante do sol, chegou Juvenal, após muitos dias, à capital de seu Estado natal.
Tenho certeza que o amigo (a) leitor (a) deve estar curioso diante deste pequeno prólogo que pode bem definir a história de muitas crianças nordestinas do passado, do presente e queira Deus não aconteça no futuro.
Vocês não têm nada com isso, não são nordestinos, não têm ninguém dessa raça na família mais a curiosidade, aquela que matou o gato, impele-o a continuar. Diz: não estou fazendo nada mesmo, vou ver até onde vai essa baboseira toda!
Pois bem, sem me estender muito, pois não é de meu feitio, vou direto ao ponto.
Há alguns anos atrás residi em uma cidade do nordeste bastante desenvolvida. Tive um bom relacionamento no trabalho, com a vizinhança e mais amigos comuns. O nordestino de modo geral é muito hospitaleiro. Uns anfitriões.
Abastecia meu automóvel que os amigos puseram o nome de possante, o meu fusca ano de fabricação muito anterior ao meu nascimento, em uma rede de postos de gasolina, quase sem concorrentes na referida cidade. Seu proprietário era um homem não muito gordo apesar da proeminente barriguinha de chop, diria que atarrancado, cabelos brancos lhes denunciando os anos corridos; afável, educado, bem humorado, de uma simplicidade incomum para um homem que como ele dispunha de tantos bens materiais.
Conversa vai, conversa vem, uma dosezinha de cachaça aqui, outra ali, um pacu assado (vindo do Pará), uma ova de curimatã frita, uma piramutaba na brasa e daqui a pouco todo mundo era rico, filósofo, escritor, e todos comendo sardinhas e arrotando caviar, ali estávamos eu e meus companheiros de "copo sujo" aquartelados num botequim próximo às nossas casas; acho desnecessário dizer que o boteco era coisa fina, familiar. E nessa conversa vai, conversa vem, passa à nossa frente justamente o seu Juvenal conduzindo em um carrinho de mão sacos de cimento.
Ninguém da nossa turma gosta de falar ou vigiar a vida alheia, mas nesse dia, não sei o porquê, alguém comentou: se fosse rico que nem ele, não mais trabalharia; outro – deve ter roubado um bocado para ter essa fortuna. Mas, finalmente surgiu uma voz mais sensata, o Teobaldo que disse: não é nada do que vocês estão pensando. E vou esclarecer aos línguas de trapos a origem da fortuna de seu Juvenal.
E foi o que ipsis verbis Teobaldo iniciou sua narrativa: certo dia eu estava em um dos armazéns pertencente ao seu Juvenal quando o escutei conversando com o motorista de uma carreta e esclarecia que quando criança antes do falecimento de seus pais era um sonhador mais que a vida lhe ensinara a perseguir seu destino ao invés de sonhar. Nisso o carreteiro disse ao seu Juvenal que já havia descarregado a carreta e todo material estava em ordem e só faltava ele assinar a fatura acusando o recebimento. Seu Juvenal mandou que ele levasse a fatura ao seu gerente que ele a assinaria. Não encontrando o gerente, pois faltara ao serviço naquele dia, o motorista voltou ao seu Juvenal que alguém, ou melhor , que o senhor Juvenal assinasse a famigerada fatura. Ouvi surpreso quando o seu Juvenal falou que não assinaria a fatura por não saber ler e nem escrever. A princípio o motorista incrédulo ainda pensou tratar-se de uma brincadeira. Retrucou: não é possível que o senhor um homem tão rico, sendo conhecido até no sul do país como um grande comerciante, com tantos prêmios recebidos pelas associações comerciais, seja um analfabeto. Então seu Juvenal com muita paciência, iniciou um relato ao motorista do caminhão ou carreta,como conseguira tamanha fortuna sendo analfabeto de pai e mãe e órfão também.
Começou seu relato assim: quando criança perdera os pais, no interior do nordeste,sendo rejeitado pelos demais parentes porque era uma boca a mais a consumiras folhas da macambira que já rareava pelo sertão nordestino naquela época. Andou léguas e léguas com sede, fome, se sentindo um felizardo quando encontrava um ratinho raquítico para lhe saciar a fome e esquentar o bucho.Vagou muitos dias até chegar à capital. Tudo ao seu redor era grandiosidade. Parou numa pracinha que tinha um chafariz e ali banhou-se,catou alguns pedaços de pão seco, sem bromato, num depósito de lixo e ali adormeceu. Acordou com um homem bem vestido e que usava um cinto preto muito largo no meio da cintura, uma pistola pendurada no referido cinto, um chapéu muito bonito, bigode cheio, um pouco carrancudo mais aparentava bondade; ia me esquecendo, a cor da roupa era amarelada. Me fez várias perguntas e depois mostrou-me uma casa muito grande e alta com uma cruz pregada no alto da cumieira e disse-me que ale era uma igreja, a casa de Deus; aí lembrei que muitas e muitas vezes tinha ouvido minha mãe dizer: ai meu Deus. E meu pai dizia deixa o Homem em paz que ele não olha para nós, só olha para os ricos; então o homem da roupa amarela me disse: vá até e procure o padre que ele vai lhe ajudar. Fui até lá, nunca tinha visto um padre, e quando este apareceu à minha frente trajando um vestido todo preto que cobria até as canelas, pensei , é biba, é doente esse menino.O padre me acolheu, aprendi que o homem não estava de vestido e sim de batina e que também não era aquilo que pensei.Fui limpo, ganhei roupa limpa, uma caminha debaixo da cama do sacristão que se chamava Zovão, até hoje não sei porque o apelido! Só não estava tão bem acomodado porque Zovão altas horas da noite além de roncar feito um trator velho, soltava uns estrondos vindo de sua barriga acompanhados de um fedor que se um urubu passasse por ali no momento era capaz de dizer: vige! Eu ajudava na limpeza da igreja, vararia, lavava a batina do padre, ajudava o sacristão cujo nome vocês já sabem, lá na cozinha, jogava as coisas que encontrava no pinico do padre, pela janela de trás da sacristia, e levava recados. Às vezes o padre me deixava de vigia na porta de uma beata e se o marido dela aparecesse eu sopraria um apito (não sei até hoje que tipo de liturgia era aquela) e ajudava também na hora da celebração da missa. Eu ficava com duas cuias de ferro, uma sobre a outra em forma de tampa, o carvão interno era aceso e se colocava incenso dentro da engenhoca que era suspensa por três correntes. Disseram-me que aquele aparato chamava-se turíbulo. Quando o padre tocava aquele sininho eu balançava o turíbulo, era o combinado. E a coisa ia muito bem até o dia em que o sacristão tomou um porre com o vinho do padre rezar a missa e não se levantava nem a pau do seu beliche. A missa já estava pra começar quando o padre me chamou e disse: Juva (quando ele falava assim eu já ficava com a pulga atarás da orelha), vais me acompanhar na missa substituindo ao Sacristão. Pega o missal e me acompanha, quando eu olhar para você piscar o olho, você começa a ler o missal na parte que está marcada com uma fitinha vermelha sagrada. Aí eu falei, seu padre, não vai ser possível eu lhe ajudar porque eu não sei nem ler e nem escrever. Nesse dia o padre se desdobrou na hora da homilia; foi padre e foi sacristão ao mesmo tempo. Acho que não foi a melhor missa que ela havia rezado.Após a missa o padre ainda com jeito de quem comeu e não gostou me chamou e deu as minhas contas. Como nunca havia recebido salário, recebi de ajustes de conta um vai com Deus que o padre me endereçou com cara de quem diz e o diabo que te carregue. Voltei ao meu antigo lar, a praça, debaixo do braço levava uma trouxa de roupa surrada que o sacristão me deu, um par de tamancos rachados e dormi o sono dos justos ali mesmo naquele banco pouco macio. Ao despertar pressenti que alguém me observava. Era um homem já bastante idoso, barba branca e longa, um pouquinho gordo, corado, que a exemplo do policial naquela manhã, me fez várias perguntas também. Depois que lhe relatei toda a minha estória junto ao padre ele olhou para a igreja e resmungou algo parecido como só sendo mesmo o sal da terra.Depois meteu a mão no bolso, tirou algumas moedas e me deu o equivalente hoje a dez reais. Ele me disse: aqui no final desta avenida tem uma Central de Abastecimento. Vá até lá e compre esse dinheiro de frutas e saia vendendo pelas ruas da cidade, amanhã eu volto. Assim o fiz e ao final do dia tinha apurado trinta reais. No outro dia, ao me levantar do meu abençoado banco em que passara a noite, dei de cara com o bondoso senhor que recebeu os seus dez reais de volta e disse para eu continuar a agir da maneira a que ele havia me orientado. Não mais me procurou e nunca mais o vi a não ser em meus sonhos Fiz o que ele me ensinou e continuo até hoje seguindo sua recomendação e de dez em dez, vinte em vinte, mudando de um investimento para outro, cheguei a onde hoje estou e nunca me preocupei em aprender a ler ou a escrever., mais mesmo assim continuo aumentando e aumentando cada vez mais meu patrimônio. Acredito que naquele dia que o padre perguntou se eu sabia ler, se o soubesse, creio que hoje eu não estaria rico, seria no máximo um sacristão e quem sabe por ter sido amigo do zovão me chamasse de zovinho.
Ao final do relato de Teobaldo sobre o que escutara da própria boca de seu Juvenal nos despedimos e cada qual foi para sua casa pensando se vale a pena continuar estudando, ser bacharel, ser mestre, doutor ou não seria abandonar os estudos e começar a vender frutas e verduras por aí.
E você, o que acha ?