23 fevereiro, 2008

A coragem



Diante do perigo iminente é que descobrimos se temos coragem ou não, ou seja, se somos corajosos ou se somos covardes. Devemos levar em consideração os dois tipos principais de coragem, a física e a moral. E é da coragem moral que pretendo discernir, apresentando um pequeno relato sobre um jovem detentor das duas coragens e que infelizmente no decorrer de sua vida perdeu uma delas.
Confesso minha admiração pelo protagonista deste pequeno relato que ora inicio e ponho à sua inteligente apreciação.
Epaminondas era nosso líder, quando crianças, no bairro pobre em que nascemos e vivíamos as mais variadas aventuras ou por não dizer, nossas travessuras.
Era uma criança agitada, superativa, líder em nossas empreitadas. Foi o primeiro da turma a fumar, a beber escondido, a furtar dinheiro da carteira de cédulas do pai, a mentir, trapacear; quem mais desrespeitava os mais velhos; o primeiro do grupo a ser expulso do colégio; o mais fujão – vivia fugindo de casa e também era o que mais apanhava dos pais. Para nos, um bando de molecotes, um grande exemplo.
Na adolescência nosso grupo iniciou, como quase todos os grupos infantis, a sua diáspora. Alguns permaneceram na cidade ou no mesmo bairro; outros se escafederam e foram para bem distante; dizem que alguns foram para a baixa da égua, de tão distante que foram morar.
Epaminondas, não,continuou ali na sua cidade maravilhosa e cresceu nos mesmos ensinamentos de dantes. Ou seja, dentro da maior safadagem, malandragem, picaretagem e outros agens. Tornou-se um grande experto em muitos assuntos. Enganava, trapaceava e iludia os quantos podia e devido à sua grade e prática esperteza, jamais fora pego com a "boca na botija".
Soube tempos atrás que Epaminondas havia juntado os trapos com uma ex-colega de infância, a Célia Peito de Porca, apelido colocado pelo próprio Epaminondas, quando ainda crianças, pois ao ver Ceinha ajudando uma porca a amamentar seus filhotes colocando o peito da mãe (a porca) na boquinhas dos filhotes, começou a difamação através do tal apelido.
Epaminondas, segundo soube, tornou-se um guapo rapaz, Célia também uma bela mulher. Epá (tratamento carinhoso de Epaminondas), desde a mais tenra infância era preconceituoso ao extremo, não em relação à cor da pele, mais sim com a beleza exterior das fêmeas humanas. Costumava repetir o jargão popular de que mulher feia e jumento só o dono procura. E mulher feia e urubu, dizia, comigo é na pedrada.
O que admirávamos mais nele era sua coragem. Tanto a física quanto a moral .Dizia-se dele: este tem coragem de mamar até em onça.
Juntaram os trapos ou como se dizia antigamente, se amigaram. Hoje é União Estável. Célia era um pedaço de mau caminho e logo cedo despertou ciúmes em Epaminondas que começou a dar conselhos a ela para não conversar com homem no meio da rua e muito menos aqueles cumprimentos de beijinho pra cá, beijinho pra lá, que graças a Deus inventaram sob o manto falso do social. Ela muito arisca, de vez em quando encontrava um ex, que não eram poucos, e aí vinham os selinhos pra lá, selinhos pra cá, beijo inocente pra lá, mais inocentes pra cá, e quando Epaminondas sabia, o homem ficava uma arara e a casa só faltava vir a baixo. Primeiro foram os xingamentos, depois as provocações do tipo: bate se você é homem. Ta pensando que boi deitado é vaca meu! Comigo é bateu levou; Há meu filho, comigo lavou ta limpo, e os xingamentos foram evoluindo, a baixaria aumentando até que um dia ela disse em público: você não levanta mais nem os próprios pés sou mais o Tonhão. Você ta brocha. Aí rolou a primeira bifa. Após o ato houve choro, juras, perdões, e tudo continuou como dantes. Tendo ouvido falar que mulher gosta mesmo é de apanhar, Ele, achando-se um filósofo, começou a bater na companheira todos os dias por motivos fúteis.Tinha uma vizinha evangélica a quem Célia confidenciava seus particulares e falava que já não agüentava mais de tanto apanhar. A vizinha, bondosa ao extremo, querendo amenizar o sofrimento daquela irmã, e por ser conhecedora das primeiras letras, começou a buzinar aos ouvidos da apanhante para que ela procurasse uma delegacia da mulher e prestasse queixa dos espancamentos, pois existia uma lei, baseada nas escrituras, que recebeu o nome de uma santa que apanhava muito de um santo e que o agressor, dentro de quarenta e oito horas após a denúncia ficava proibido de adentrar na sua casa, tempo esse que as autoridades utilizavam para procurar levantar um local e esconder a agredida, enquanto correria o processo, proteção essa denominada proteção presumida e também se o delatado não cumprisse a lei seria jogado no xadrez onde o código marginal condena homem safado que bate em mulher e em poucos horas o cabra entrava na cadeia com ares de Lampião e em poucas horas era transformado em Maria Bonita. Ela, Célia , a princípio não queria prestar queixa na Delegacia, mais como água mole em pedra dura tanto bate até que fura, devido aos conselhos sábios daquela vizinha bondosa e evangélica, uma santa, aquiesceu e comunicou o fato à delega, acrescentando uma coisinha a mais aqui e ali conforme lhe ensinara sua instrutora evangelizadora. Chorosa, se fazendo de santa, forjou sua versão. Até o carcereiro chorou ao ouvir o relato.À medida que ia falando a Delegada ia inchando de raiva e se pudesse não man dava prender tal meliante e sim , mandava era matá-lo.Finalmente foi digitado o Boletim de Ocorrência, o famigerado BO, tendo surgido o primeiro entrave. O que relato a seguir vai parecer mentira, mas a delegacia, no momento,, não dispunha de uma viatura para levar a intimação ao acusado e mais incrível ainda, coisa raríssima de acontecer, não dispunha no momento de um funcionário para entregar a intimação a Epaminondas. Aí alguém teve um lampejo de inteligência, coisa comum ao recinto, e sugeriu que a queixante levasse pessoalmente o documento para o acusado, o Epaminondas.Isto posto e aceito por ambas as partes, Célia levou pessoalmente o documento ao seu algoz, o Epaminondas, e este todo contente começou a ler o documento que a princípio pensou tratar-se de alguma poesia que a amada teria feito para ele, e ao ver que se tratava de uma deduragem, sentiu-se traído e mais revoltado que antes baixou de novo o cacete (no bom sentido) em Celinha que, quando se viu um pouco livre das garras do enfurecido amante, fugiu só com a roupa do couro, já meio aesfarrapada e gritava que nunca mais ia dar parte de alguém, nem confiar em papo furado de vizinha evangélica e escafedeu-se. Até hoje, passado já tanto tempo, ninguém soube de notícias dela. Alguns acham que foi para afora do Brasil, para o exterior.
Dias após Epaminondas viu a ficha cair e refletindo sobre o que fizera, despertado por uma paixão perdida, prostou-se na mais cruel das deprê. Não comia, não bebia, não mijava, não, também, isolou-se do mundo, andava que nem côrno, de cabeça baixa, choromingava a toda hora, flatulava tão mal cheiroso que os urubus ao passar perto dele cruzavam as azas sobre o peito, tudo por causa da saudade de sua amada e também porque já estava se acostumando às seções de pancadaria que proporcionava a sua ex amásia.
Por insistência dos amigos foi levado por estes a um psicoterapeuta. Este, após várias seções aconselhou ao seu paciente a iniciar novo romance. A perda de um amor só é recuperada com o início de outro novo amor. Ninguém, ou seja, nenhuma moça virgem ou não, não ia querer envolvimento com um homem que era acostumado a bater em mulher. Um dia alguém insinuou que ele devia procurar a Internet, orkut ou seja uma sala de bate papo, pois só assim ele poderia pegar uma besta. Depois se casasse não tinha mais jeito¸tinha que segurar o tranco. E foi aí que o feitiço virou-se contra o feiticeiro. Dizem os que conviviam com Epaminondas que seu calvário iniciou-se a esse tempo. Ou seja ,com a participação do orkut.
A internet mudou muito a vida do Epá; hoje ele vive pelos bares todo maltrapijlho, embriagado, barbado, pouco asseado e só volta para casa conduzido pelos braços de pessoas amigas e talvez por indução dizem também que a Internet foi a culpada em parte por aquele infortúnio.
Seguindo a orientação de seu psicoterapeuta e de amigos mais íntimos Epaminondas conheceu Maria Antonia, que durante as trocas de fotos parecia ser uma linda mulher. Loira, embora não aparentava a pouca idade que dizia ter. Confidência para lá, confidência para cá, foi crescendo a simpatia, a amizade, os pontos comuns, as mesmas zonas erógenas, a atração inicial era espiritual, depois carnal, o namoro, o pedido de noivado, os presentes trocados e finalmente o casamento virtual. O casamento real deu-se por correspondência tendo o noivo sido substituído e representado pelo pai da linda donzela, a Maria Antonio que a esse tempo já se tratavam com intimidade: ele Epá e ela Toinha.
Feito os preparativos para a lua de mel, a noiva de tudo fez para somente se encontrar com o noivo (esposo) bem tarde da noite e no ninho nupcial. Na imaginação de Epaminondas, Antonia era uma sósia de Julia Roberts. Quando adentrou ao recinto teve vontade de gritar, mas seu aparelho respiratório embargou o fonador e o máximo que pode pronunciar bem baixinho, sufocado, foi: que é que é isso minha gente!Lhe venderam gato por lebre, pois de Julia Roberts a mulher não tinha nem o joanete, se é que a bela o tem. Ele achou a mulher que acabara de contrair matrimônio um bucho, uma briga de foice. Só sendo castigo, praga da ex vizinha evangélica, aquela língua de trapo. Quando ela disse boa noite meu amor, ele bastante transtornado replicou: ai Jesus, o que foi que você andou botando na boca mulher? Ela prontamente respondeu: é que coloquei uma ponte. E ele, laconicamente, acho que tem um cavalo morto debaixo dela! Foi dizendo essas palavras e a seguir desmaiou. Quando despertou do desmaio saiu correndo, apeiou-se no primeiro copo sujo (boteco) e ali, naquele momento começou a sua vida de ébrio. Dizem que quando não consegue bebida alcoólica, bebe até leite de caixinha (aquele com soda cáustica) ou então gasolina e temos aí um exemplo da perda da coragem moral e seu estado normal e o etílico constante. Nos poucos momentos de lucidez, quando acorda de uma ressaca e consegue balbuciar alguma coisa, apenas diz: fui iludido, ela me paga. E se alguém pergunta: ela quem ?
Responde baixinho, ofegante, gutural: a Internet.
Você que teve a paciência de ler este pequeno relato sobre Epaminondas, seus desatinos, seu destino, sua coragem, deve estar se perguntando: será culpa da Internet mesmo, ou de quem? A minha resposta é: não creio. Meu parecer é de que Epaminondas durante sua ousada caminhada até o matrimônio arrefeceu de sua coragem. Não a física e sim a moral, quando por pura covardia deixou de enfrentar a pouca beleza ou baixa sensualidade de sua oficialmente esposa e entregou-se de maneira vil e covarde ao vício da embriagues. Portanto se é pra casar não beba, mas se é para beber não case. Se já casou e ela é bela, não a maltrate. Se for feia tenha coragem moral suficiente para reconhecer nela tantas outras qualidades. Cuide-se, pois de nada adianta ter coragem física se não souber manusear sua coragem moral.

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