06 dezembro, 2007

Cabo Jeremias


Conheci anos atrás um marinheiro que dizia ter a graduação ou patente, ou mais ou menos isso, de cabo que segundo ele era ou é uma promoção antes de ser um sargento. Como o cabo era um veterano, ou seja ,um homem já bastante amadurecido, todos o chamavam de cabo velho. Cabo velho atendia também pelo nome de Jeremias ou mesmo cabo Jeremias.
Um outro dia cabo Jeremias relatou-me uma estória bastante duvidosa mas devido à sua condição de militar da nossa gloriosa Marinha do Brasil, não retruquei mas fiquei com a pulga atrás da orelha e passo a retransmitir o tal relato à sua digna e inteligente apreciação. Eis mais ou menos o relato do Sr. Cabo:
"Existe na Marinha do Brasil, na marinha de guerra, uma diretoria que trata especificamente da navegação e do balizamento (faróis, bóias, profundidade, cartas náuticas, etc) de toda a costa do nosso mar territorial. Essa diretoria é responsável pela cartografia e tudo que diz respeito à navegabilidade, tanto da marinha de guerra , como também de toda frota nacional. O trabalho é árduo, espinhoso, a ponto de sua guarnição ou melhor das guarnições de seus navios não distinguirem qualquer graduação quando se diz respeito a se efetuar tarefas dirigidas à navegação. Quando um navio da diretoria de hidrografia e navegação atraca em um porto, em um farol ou em qualquer lugar que seja, todos os tripulantes se transformam em operários a serviço da navegação e também todos, todos mesmo, executam tarefas das mais árduas sem distinção de graduação, patente, credo religioso, etc.
Pois bem. Certo dia embarcou em determinado navio um Almirante que, por ter completado idade limite de permanência no serviço ativo da marinha, iria ser transferido para a reserva naval ou seja aposentado, como dizem os civis.
Tal almirante, ao iniciar sua carreira na marinha, tinha iniciado-a naquele navio e por capricho queria que sua última viagem antes de se aposentar ou passar à reserva, fosse feita exatamente a bordo do navio onde se iniciara.
O homem, o almirante, era bem franzino, jeitos delicados e com idade já um pouco avançada. Os poucos cabelos que ladeavam sua cabeça, isso porque a parte superior era lisa e brilhosa, eram branquinhos que nem algodão. Mas aparentava altivez mesclado à bondade e compreensão, fruto de tanta experiência no mar e nas academias militares.
Tinha também a bordo (dentro do navio) um cabo velho com a idade aproximada à do almirante, sendo meio rude, semi-analfabeto, queimado do sol, mãos calejadas e excelente profissional. Daqueles que tinham como regra o dito popular à época em que entrara para a Marinha: homem de ferro em navios de pau.
Logo que o almirante adentrou ao navio o coração do cabo velho começou a palpitar mais forte e de sua mente saíram os seguintes pensamentos: Meu Deus ! É tenente Bustamante (esse nome é fictício diz Cabo Jeremias), virgem Maria, como tempo passou rápido! O homem já é almirante e eu continuo cabo velho ! Mas não há de ser nada não, vou abordá-lo e mesmo que ele não me reconheça vou cobrar-lhe a promessa que me fez um dia de ser padrinho de um de meus filhos. Ele não há de fugir ao compromisso, vou mostrar pra ele que boi deitado não é vaca, esse vai ter que me engolir ou não sou mais um cabo velho..
E a partir desse momento começou a perseguição, uma verdadeira caça ao almirante, mas cabo velho não conseguia ficar próximo de seu ex-chefe nem um segundo. Ambos em tempos remotos haviam sido companheiros de navio em tantas e tantas missões.
Nas várias tentativas de aproximação, todas frustadas pela presença inconveniente de alguém, teve uma em que ao chegar furtivamente por trás do almirante, esse tomou um susto tão grande que deu-se a impressão que o mesmo havia tido um momento de flatulência, tamanho cheiro de urubu morto que se espalhou pelo recinto; de outra feita sentiu que o dito cujo havia lhe enviado um sorriso de cumplicidade, visto pelo canto dos olhos.
Transcorreram alguns dias e nada da oportunidade aparecer.
Uma bela manhã aportaram em uma ilha e lá no alto, em cima de um penhasco, estava um farol a ser reparado. Era uma subida sacrificada, penosa e chovia torrencialmente.
Toda a guarnição se preparou sob a orientação enérgica do imediato do navio que retransmitiu todas as ordens recebidas do comandante.
O próprio comandante colocou um equipamento sob os ombros e começou a subir por uma trilha bastante difícil, sacrificada, uma via crucis.. O imediato levava outra tranqueira, assim como os oficiais, sargentos e demais membros da guarnição. O almirante não se fé de rogado, empunhou um martelo de pedreiro e encetou também a jornada.
O cabo velho não havia desistido de sua idéia inicial e viu que aquele era o melhor momento para concretizar seu desejo.
Iniciada a subida o nosso cabo velho de tudo fazia para aproximar-se do nosso almirante, porem toda vez que se aproximava, alguém aparecia por perto e era aquela frustração. Mas a subida era muito sacrificada e o almirante começou a ficar para trás. Cabo velho , devido ao constante labutar, continuava em forma mas fingia cansaço e ficava para trás junto ao almirante.
Num dado momento o almirante cansou e sentou-se em uma pedra.Aí cabo velho disse, é agora, vou entabular uma conversa besta e em seguida taco-lhe o pedido nos peitos! Vou iniciar o bate papo com a pergunta: Vossa excelência está cansada ? Aí parou.... meditou, e ficou a dúvida. Será vossa excelência está cansada ou vossa excelência esta cansado ?
E com essa dúvida cruel em mente aproximou-se de sua excelência e com a voz um pouco trêmula, insegura, perguntou: vossa excelência está cansada ? e o almirante lhe respondeu em bom tom: estou é morta filha.!
Aí volto ao início da nossa interlocução e pergunto-lhe mais uma vez? É ou não é para se ficar com a pulga atrás da orelha com essa estória do Cabo Jeremias ?

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