16 dezembro, 2007

O orador



Hoje é domingo e como todo católico que se preza, estou aqui na igreja do meu bairro assistindo a mais uma missa entre tantas outras que já assisti.
É uma igreja pequena porém muito bem dividida arquitetonicamente, bem como o é, pela maneira tão correta que é administrada pelos meus vizinhos , membros da irmandade e nosso líder padre Josué. Não sou dos mais assíduos, falto às vezes um domingo o outro, mas confesso e professo minha fé no Criador.
Hoje é um dia em que estou mais sensível às lembranças de um passado talvez não muito próximo e observando nosso pároco fazendo sua pregação diante do púlpito afloram-se em minha mente lembranças digamos interessantes ou incomuns .
Lembro-me que lá pelos idos de mil novecentos e tantos, prestando eu o Serviço Militar Obrigatório, um certo dia, durante a celebração de uma missa presenciei e pode-se dizer que até protagonizei também o fato que passo a narrar ou digamos comentar ou rememorar:
- Fomos designados, eu, meus colegas pracinhas e alguns graduados, inclusive um oficial superior, para comparecermos em representação a uma missa que seria realizada na catedral da cidade em que servíamos.
O sargento Polaroide, como era conhecido devido aos seus óculos escuros que quase nunca eram tirados do rosto e seu penteado com um topete dividido parecendo dois chifres, não era católico dito praticante e quase não conhecia a liturgia da missa.
A catedral estava lotada, ou melhor , superlotada nesse dia; a sociedade local estava toda presente; militares das três Forças Armadas se faziam representar, estavam presentes as polícias auxiliares tais como policiais civis e militares, escoteiros e ilustres cidadãos ditos civis.
O sargento Polaroide , no seu uniforme de gala, com seus metro e oitenta de altura, setenta quilos aproximados, chamava a atenção por se tratar de um homem por assim dizer "vistoso".
Não sendo dado, como disse anteriormente, a atos religiosos, o nosso sargento , propositadamente retardou sua chegada à igreja, tendo se aproximado somente minutos após ter se iniciado a missa.
Chegou atrasado de propósito, por estratégia. Recostou-se em uma pilastra e ficou ali esperando que a missa tivesse seu transcurso normal e após seu término ficaria próximo ao oficial responsável pela representação e aí todos o veriam e estava de certo modo cumprida sua obrigação sem se expor ao risco de cometer algum vexame na frente de tanta gente, pois que não se sentia muito à vontade para acompanhar toda aquela liturgia que ele a bem da verdade desconhecia.
Mas o oficial responsável pela representação percebeu a presença do sargento e determinou que eu fosse avisá-lo de que o seu lugar estava reservado lá na frente, próximo ao altar.
O sargento olhou para mim, quando lhe transmiti a mensagem; deu um sorriso meio sem graça, fez um aceno com a cabeça notificando assim que estava ciente do fato e começou a andar em direção ao local que lhe havia sido determinado. Suas pernas estavam trôpegas , o quepe que ele conduzia debaixo do braço, par várias vezes ameaçou cair; seu rosto estava pálido, seu coração em disparada, o suor que corria em seu corpo , por baixo da farda, começava a ensopar-lhe o uniforme parecendo aos olhos menos adestrados que ele acabara de sair do banho.
Mas nosso bravo militar, acostumado com tantas intempéries e a transpor muitos outros obstáculos, superou com dignidade tudo isso, inclusive os olhares da multidão curiosa quando ele atravessou toda a extensão da igreja.
Sentou-se no assento determinado e com o "rabo do olho " ficava observando o movimento dos outros cristãos que ali se encontravam e procurava imitá-los sempre que possível. Se alguém falasse amém, ele repetia, se alguém se sentasse se ele se sentava se levantasse ele se levantava se tossia ele tossia também e é claro que algumas vezes cometeu gafes.
Tudo transcorria conforme sua estratégia quando de repente uma freira aproximou-se dele com um livrinho muito bonitinho na mão e perguntou: sargento, você pode ler o missal ? Ele prontamente com muita segurança e cavalheirismo respondeu que sim lançando à freira um largo sorriso que me pareceu não muito confiante.
E o padre ,ou melhor dizendo, os dez padres prosseguiram com seus atos religiosos.
Por ocasião da homilia que nesse dia comentou a união da família, nosso bravo sargento, muito atento, sensibilizou-se e derramou ainda lágrimas dado ao estado emotivo em que se encontrava.
Num dado momento a irmã que havia oferecido o "livrinho" ao sargento aproximou-se dele quase sorrateiramente e disse baixinho ao seu ouvido: " É agora sargento !". "Ele olhou para a irmã com as sobrancelhas erguidas como sem entender o que lhe fora perguntado ou sugerido e também com us misto de curiosidade indagou: "E agora o que irmã ? Ela adisse baixinho: o senhor deve ler o missal agora. Ele retrucou:é melhor que eu leia em casa irmã, lá fico mais à vontade e disponho de mais tempo. A irmã já meio carrancuda falou: deixe de gracinha homem, você tem que ler o que está marcado com a fitinha vermelha no livrinho, agora, lá na frente do altar.
O sargento tomou um susto danado e foi aí que percebeu que teria que ir à frente de todos e ler em boa voz para todos ouvirem, a página que estava marcada no livro.. A irmã não havia sido suficientemente clara ou ele é que não tendo intimidade com tais assuntos de religião, não entendera o que se passara anteriormente quando aceitou ler o livro que por sinal já havia guardado no bolso.
Nada mais podendo fazer, não podia mais recuar da promessa, dirigiu-se ao altar, olhou para o padre chefe do cerimonial com um sorriso tímido, daqueles amarelos, e virou-se para o público presente de cabeça baixa, abriu o livrinho, leu o preâmbulo para si e posteriormente pronunciou com a voz trêmula, rouca, gutural: "Epístola de São Pedro e São Paulo." Em seguida arriscou levantar com altivez sua cabeça e seus olhos se sentiram cravados pelos olhos de Almirantes, Generais, Coronéis, funcionários civis, coroinhas e uma infinita quantidade de gente.
O que se viu a seguir foi o sargento ficando pálido, verde, azul, roxo, parecia até ser um camaleão, de tanto mudar de cor, e sua boca abria e fechava mas não era emitido um só som de seu aparelho fonador. De repente ouve-se o barulho de um corpo caído sobre o tablado e todos se entreolhavam perplexos sem entenderem o acontecido.
Alguns minutos após encontrei nosso "herói" na sacristia da igreja despertando de um desmaio, cercado de freiras, padres, médicos e curiosos, perguntando: "o que foi que houve my good, cadê todo mundo, onde estou, quem sou eu de onde vim e pra onde vou ?
Neste exato momento de minha lembrança, dentro da igreja de meu bairro, assistindo
Mais uma vez a um culto religioso, senti que alguém havia se aproximado de mim e virei o rosto para o lado, encontrando um outro rosto próximo ao meu que numa voz angelical perguntou: o cavalheiro não quer ler o missal ? Abri a boca para responder que não, mas nenhum som foi emitido ou alguma palavra pronunciada. Então dei-me conta que o "herói" da estória agora estava sendo protagonizado por mim e com um gesto mímico com a cabeça fiz entender à irmã que hoje eu não poderia fazê-lo.
Tenho certeza que se tivesse aceitado o convite da irmã, breve você querido leitor, estaria repetindo aos seus amigos essa nova aventura.

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