16 dezembro, 2007

Saudosismo II



À época de minha infância conheci, sem sermos próximos, uma garota de pigmentação branca muito feia , acho até que era mais feia de que eu. Madame Mim quando criancinha deve ter sido muito mais bonita que ela. A menininha era balofa, vivia com os cabelos em desalinho, figura grotesca, olhos esbugalhados, pernas finas, vestia-se parecendo um saco de batatas, e relaxada demais. Um dia fui retransmitir um recado em sua casa e ela estava almoçando. Comia de mãos, sem talheres, Quando de relance olhei para a mesa vi que ela segurava um pedaço de carne bem gordurosa e antes de colocar na boca cheirava o petisco. Então como era de se esperar, algum gaiato colocou o apelido na menina de Maxixe. O tempo passou, andei por outros estados e municípios e já era á época um rapagão lindo que só, taí mamãe que não me deixa mentir, voltei à minha querida cidade. Já não existia o areal onde os carros atolavam e nós empurrávamos e recebíamos o pagamento: muito obrigado, Deus lhes pague. Conversava com antigos companheiros, agora todos taludos, educados, quando passou uma jovem com talvez a mesma idade que nós, moça linda, bem cinturada, pernas torneadas, pele bronzeada, lábios carnudos , olhar de tigreza, bem vestida , nessa época as meninas se vestiam com roupa e não mostravam a passarinha como as moças de hoje com seus vestidos feitos com pano de gravatas. A boyzinha era muito faceira e dengosa, voz aveludada e eu timidamente indaguei quem era.A resposta foi nossa última miss. Não, retruquei ! O nomizinho dela ? E para minha surpresa responderam essa não é a maxixe !
Aí vai meu conselho a você que ainda não atingiu a velhice. Faça como maxixe, dê a volta por cima. Você pode !
Aconteceu um fato interessante que também guardo boa recordação. Pelo meu vocabulário, vocês já devem ter percebido que sou com muito orgulho, nordestino,. Pois bem, quando prestava o Serviço Militar Obrigatório, o fiz na gloriosa Marinha de Guerra do Brasil que apelidávamos à época de a viuva porque ela nos dava de um tudo – ou seja – roupa (fardamento), alimentação, estudo, oportunidades e dinheiro.
A propósito da viúva fiquei sabendo através de amigos que fizeram carreira naval e hoje já estão aposentados que a viúva não é mais aquela daqueles tempos. A pobrizinha está no maior misere. Não dá quase nada pra ninguém de uns doze anos para cá, está ficando tísica.Aquelas refeições que nos serviam à época, quando atem é na base de pescoço de galinha e até papel higiênico é controlado, dois palmos por cliente. E de dar dó ver a pobrezinha que tantos louros já deu ao país ficar cada vez mais obsoleta. O medo que dá é os filhos da viúva se revoltarem contra aqueles que estão tratando sua mãe de modo tão revanchista.
Voltando ao início do nosso bate papo. Éramos uns trinta nordestinos os componentes daquele grupo. Todos na mesma idade ou próximo, dezesseis e dezessete anos.
Certo dia nos convidaram para uma quermesse em uma igreja. Fui logo perguntando o que era isso. Me informaram que a igreja estava em fase de construção e para angariar algum o padre reunia rapazes e moças nos finais de semana, ligava uma vitrola de disco de vinil e todos dançavam e comiam bolinhos, etc, pagando pequenas quantias e se divertiam a valer, principalmente ao som do bolero.
Nosso grupo era logo reconhecido como recrutas pois todos nós, a exceção de um, vestia uma camisa civil mas a calça e o sapato eram da farda de marinheiro . Calça branca, azul e mescla. Sapato bico chato. Só Roberto era diferente. O nosso cabelo era cortado a la recruta. Era como se colocasse uma cuia na cabeça e raspasse da altura da cuia para baixo. Roberto estava também com o elegante corte que usávamos mas suas vestes eram diferentes porque tendo parentes no Rio naturalmente estes lhe prestavam toda a logística. Pra humilhar ele usava ainda uma bota tipo a que Roberto Carlos usava à ´época. Ele começou a circular no salão, a fazer firulas, a se achar Apesar de estar apenas a três dias no Rio de Janeiro, já estava chiando que nem carioca. Ficava aquilo esquisito, forçado, um carionorte, O único desinibido era Roberto, nós outros, tímidos, ficávamos com aquele olhar bisonho, aquela cara de pidão, e as menininhas ali, cariocas, desinibidas, e nós, nada.O bolero tocando na radiola, o samba, a valsa, e nada de alguém chamar uma menininha para dançar. Eu meio nervoso me atrevi a convidar alguém pra dançar comigo. Convidei mais ou menos umas quinze jovens e nenhuma delas aceitou meu pedido.A coisa ficou tão feia pra mim que se não fosse Roberto eu hoje ainda estaria triste e envergonhado.
Roberto saiu do nosso círculo e todo prosa, com aquela boemia murcha, nos avisou: aprendam como se faz ! Chamou a menina mais bonita que tinha no salão, uma loirinha ao primo canto, toda arrochadinha, toda aprumadinha. Nosso grupo só observando. Ela relutou um pouco mas parece que não resistiu à lábia do nosso heróis, mas mesmo com cara de enjôo aceitou a contra dança e lá se foram os dois bolerando pelo salão.Nós de fora observando a ousadia do mestre em lábias o Roberto que agora cochichava ao ouvido da mimosa lourinha. Para nossa maior surpresa a jovem começou a rir com muita intimidade, ria tanto e quase não esperou a dança terminar e correu ainda alegre,rindo, se juntar às amigas na maior felicidade ou alegria confidenciando coisas às amigas e todas riam com a maior satisfação.
Roberto voltou ao nosso grupo todo lampeiro, ar de conquistador, um Viking.
E ao indagarmos como ele havia conquistado em tão pouco tempo a lourinha a pronto de ficaram íntimos com troca de sorrisos, ele se prontificou a nos ensinar.
] Disse que em primeiro lugar a voz tinha que ser melosa. Depois começou o diálogo perguntando-lhe o nomezinho; depois elogiou seus cabelos, seu sorriso, seus olhos, seu perfume, sua maneira delicada de dançar mais ela só se rendeu quando eu lhe tasquei minha pergunta infalível: qual seu h o r o s c o p o ?
Se nada daqui serviu como ensinamento ao amigo, espero que ao menos você tenha aprendido essa nova tática de sedução e já estou meditando o que será que o poeta quis dizer com "laranja madura na beira da estrada..."
Até a próxima.

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