20 janeiro, 2008

Cartilha do Teofildo



Dizem que o espínho quando é bom de pequeno já traz a ponta. É uma bênção o nascimento de uma criança, um ato divino, seja ela branca, preta, parda, amarela, albina, ou outras pigmentações permitidas pela natureza.
Teofildo ao nascer, quando lhe deram aquela palmadinha para ele passar a respirar sem o auxílio do cordão umbilical, esgoelou-se, foi aquele escarcéu, o maior barraco
Era uma gracinha de bebê, uns achavam parecido com o pai outros com a mãe, outros com os tios, tias, os cunhados, e tinham os maldosos que os achavam parecido com o vizinho japonês. Já chamavam a criança pelo apelido de Japinha. O pai a toda horas, exultante, não cansava de repetir: é o minininho do papai !
Justiça se faça, apesar de todo recém-nascido se parecer um com os outros.ele era exceção. Tinha uma cabecinha um pouco maior que uma criança normal, já nascera com cabelo mais só nas laterais da cabeça, um olho olhava para o norte e o outro para o sul, lábios carnudos, nariz de bolacha, bracinhos e perninhas curtinhas, mas os ovinhos e a bilunga, esses sim eram avantajados.
Entre um incenso e outro, uma oração e outra, a madrinha, que era parteira, olhava de soslaio e dizia baixinho, de vez em quando, será que isso se cria ? E assim nasceu, cresceu e viveu nosso pequeno Adônis, sustentado à mamadeira de caldo de sururu de capote.
Ninguém queria trocar suas fraldas, nem mesmo a mãe, pois quando o bebezinho fazia qualquer quantidade de dejetos que reunisse coleiformes fecal compactado, nem urubu chegava perto. Daí a dificuldade de encontrar alguém com coragem ou olfato necessário à execução de tal tarefa.
A família da mãe era uma família comum aos nossos dias, tinha tios cachaceiros,tias lésbicas e simpatizantes, sobrinhos gays ou mais comumente chamados de viados, maconheiros e até políticos..
Quando balbuciou a primeira palavra o pai exultante gritava: é o meu bebê! Normalmente a criança balbucia em primeiro lugar o nome papai ou mamãe dito mais ou menos assim: pápá – mã - mã . Ele não, disse logo: boi, boi. O vizinho do lado, o Japa, quando ouvia o menininho pronunciar boi, caía em gargalhadas, até hoje não se entendem por que.
E assim foi crescendo nosso herói, desengonçado, magro, xexelento, zoiudo, retardado, bisonho, sempre chupando os dedos e o maior admirador do pai. Certa vez alguém, a título de brincadeira ,disse a ele que seu pai era fresco.
Ele bastante indignado, possesso, e aos berros disse: painho é macho, tem revólver, tem duas negas, bate nelas, painho dá tiro, painho é ôme com O maiúsculo, painho já teve até dois putos.
Troninhos, não parava um inteiro, a não ser quando ele espirituosa e graciosamente colocava-os sobre a cabeça e saía gritando: T a p i r o c a (é que não sabia dizer ainda tapioca). As necessidades ditas fisiológicas sempre eram feitas no meio da sala. A vovó ia à loucura, pois sempre que ocorria o fato ela se lembrava de seu falecido pai que trabalhava em um laboratório de análises clínicas. Seu Romão, o bisa, examinava as fezes para análises laboratorias e se existiam alguns parasitas, principalmente lombrigas . Ele colocava o material colhido em cima de uma folha de jornal e depois soprava o conteúdo fecal. O que voasse era farinha e o que ficava era lombrigas e aí estava feito o diagnóstico.
Titio Jeremino, logo que a criança começou a andar prontificou-se a tomar conta do sobrinho e cedo, cedo, por ter personalidade duvidosa, queria ensinar a todo custo o estimado sobrinho a fumar charutos e cheirar cola. Além desse tio, existiam outros sócios-não-educaivos , elementos pontuais em quase todas famílias ditas normais, porém eram muito unidos quando tinham que iludir, dar "um cano" ou "passar o chapéu" em alguém; aí sim a união faz força ou pilantragem ou se preferir: família que rouba unida permanece sempre unida Já a família do pai era um horror. Corretos, metidos a certinhos, desunidos, um ou outro é que lá uma vez ou outra queria passar a perna num e num quase nunca se deixava passar a perna. Umas nulidades sociais, nem para roubar prestavam. Eram uns quase certinhos na visão da matriarca, a esposa ,Dizia : até gostar de leitura os safados gostam.
Teofildo crescia a cada dia que passava com uma não robustez quase esquelética; cedo adotou brinquinhos nas orelhas, cabelinho a la Ronaldinho nos tempos áureos, tatuagem do Che Guevara no braço direito.; sapatos aos dez anos já calçava 44. Aquelas coisas se quando recém nascido já eram grandes, agora pareciam dois cocos e uma jibóia. Aos dez anos ainda não tinha coordenação motora suficiente para amarrar sozinho os cadarços de seus sapatos. Mas justiça se faça à sua rara inteligência que era rara mesmo. Era sempre o último da sala nas matérias. O último a chegar, o último a apresentar os trabalhos e o primeiro a lanchar e ir para casa vadiar.Para ir para a escola era uma criança, mais para ir para casa era uma avião.Quando uma coleguinha de escola puxava conversa com ele, ficava pálido, trêmulo das mãos, pingavam-lhe uns suores gelados das mãos e não conseguia olhar nos olhos das menininhas. Tinha horas que o nervosismo era tanto que até flatulava. O mérito desses gestos tão desagradáveis descobriu-se somente na idade adulta através de Freud. Fazendo análise descobriu-se que quando bebê para dormir, uma tia cantava: boi, boi, boi da cara preta, peque esse menino que tem medo de b ... ... ... .... ....
Aos dezesseis anos conseguiram-lhe seu primeiro emprego sem carteira assinada – apontador do jogo do bicho. Logo deu prejuízo aos seus pais, pois lerdo como era perdeu algum dinheiro por displicência bem como errava demais nos cálculos. Todos afirmavam que era uma mala sem alça. Experimentou nessa época, por influências de amigos, a canabias sativa a popular maconha. Aí piorou, pois se já não gostava de se assear, banho só nos feriados.
Especializou-se em gírias e começaram os pequenos furtos, até a prisão e o encarceramento cruel perverso, contrariando tudo quanto é lei, pois apregoa-se que tortura nunca mais neste país, mas o que se vê é mais que tortura, é a tortura moral, decrepitude do ser humano, creio que nem na época dos homens da caverna, se houve cativeiro, as condições comparando as épocas não seriam tão desumanas quanto as de hoje no sistema educativo prisional, mantendo em todas as regiões da federação, presos confinados em selas numa desproporcionalidade irracional de sua população empilhando em celas com capacidade mínima, uma proporção geométrica de prisioneiro, na forma mais degradante a que possa se sujeitar um membro da raça humana, puramente devido à incompetência de determinadas autoridades policiais que seguem religiosamente a incompetência da autoridade jurídica que por sua vez espelha-se na irresponsabilidade da autoridade legislativa.
Coabitando na mesma sela com mulheres menor de idade, sexagenários incorrigíveis, estupradores, viciados, aidéticos, punguistas inocentes úteis e toda a nata da bandidagem, para ele (Teofildo) não existiu escola melhor, mais especializada. Entrou Lampião e só não saiu Maria Bonita porque cedo caiu na simpatia de Zezão, um afro-descendente (crioulo) de um metro e noventa, lutador de capoeira, jiu-jitsu, box e demais artes marciais que dependendo do momento poderia se transformar em Zezão ou Zezinha. Para sorte do nosso estimado consorte, ele, o Zezão, preferiu ser sua Zezinha. Romântico não é ?
A família da mãe exultava pois pela primeira vez tinha um membro da clã atrás das grades e isso para eles era ponto de honra, o símbolo do machismo.
Conhecera Teofildo, nesse mesmo cárcere, uma de menor que ali se encontrava e era obrigada , a troco de um prato de sopa, a exercer a prática sexual com vários detentos e detentas, de nome Jeremina com quem mais tarde, já na fase adulta,iria contrair matrimônio em uma igreja da pastoral universal do reino dos santos.
Esclareçamos que sua prisão não se deveu ao fato de roubo como se presume inicialmente, mas simples agressão a um senhor da terceira idade que ficou bastante arrebentado, diríamos ficou em banda de latas. Como a justiça é cega, é o que se configura na imagem da estátua com venda nos olhos, ele teve o atenuante de que estava bêbado e drogado. Se estivesse em seu estado normal, sóbrio, a pena ou penalidade seria agravada. Como estava bêbado e drogado a pena foi atenuada, pois cometera o delito talvez até sem o perceber. É doida ou não essa senhora da veanda nos olhos? É ou não é um incentivo a se usar drogas e bebidas alcoólicas ?
Depois daquela prisão Teofildo reflexivo que foi, procurou modificar seu proceder. Lembrava-se que fora um afortunado em ter encontrado a negra Zezinha ou negro Zeão em seus dias de fêmea, senão hoje não seria mais Teofildo e sim Teofilda. Esses pensamentos lhe causaram arrepios, um verdadeiro pavor. Reiniciou seus estudos em cursos supletivos e com a ajuda de parentes iria fazer faculdade. Alguns parentes até comentaram: é melhor pagar uma faculdade pra ele do que viver engordando advogados de porta de cadeia, uns verdadeiros abutres. E nosso personagem cursou uma PPP ou seja papai pagou, passou. De início foi bem colocado no vestibular que prestou, foi o quinto colocado num total de dez concorrentes. Faltava muito às aulas mais finalmente recebeu o tão ambicionado objeto de seu desejo, o canudo (o diploma). Por muito e muito tempo advogou nas portas das cadeias munido de um banquinho, de algumas pastas de cartolina,uma máquina de escrever portátil, lápis, papel e conhecimento com os delegados colegas de turma, de faculdade, carcereiros, escrivões, foi deixando para trás o estígma de quanto maio o anel, mais burro o bacharel.
Hoje, casado, três filhos do casamento com Jeremina, fiel esposa, e uns tantos espalhados por esses brasis afora, uma bíblia na mão, sua leitura obrigatória, o código penal e a constituição sempre ao alcance, olhava para seu primogênito que desde cedo se dedicara aos estudos do catecismo, da teologia, e ele, o pai, gostaria que o filho lhe substituísse na carreira que ora este se dedicava, a carreira política, que achava das mais promissoras, pois faziam e aconteciam e no final ficava o dito pelo não dito e eram sempre inocentados.
Mas a criança estava irredutível, se não pudesse seguir o sacerdócio, sua outra opção era ser bailarino de banda de forró. Desde cedo o menininho já apresentava um trejeito ao andara e gostava de brincar de bonecas, desfilar imitando a Gisele Burchen e gostava também de brincar de rodas. Ficava roxo de alegria quando chegava o final da brincadeira e diziam, ou melhor,cantavam:vamos fechar a roda, olé, olê, olá e seu melhor amigo Jorginho Chupeta se encostava nele e ele em alguém à sua frente. Às vezes o prazer que sentia era tanto que parecia querer desmaiar. O pai apesar de no passado ter pertencido ao gangaço nada percebia de anormal na criança mais tinha amigos que porá trás já diziam o bordão: tem pai que é cego !
Numa dessas discussões, Junior se descabelou e saiu de casa para morar com Joãozinho chupeta que agora já taludo passara a se chamar Jô Chupetão. E o pai triste pensava nas oportunidades que o filho teria se seguisse seus conselhos, poderia quem sabe vir a ser um dia presidente do senado, uns e outros por aí pintam, bordam, faz e acontece e no final , depois de chegar lá, é só procurar, investigar os rabos presos que está tudo garantido. É só receber os louros, de preferências as louras, as verdinhas, erguer a cabeça pregar a moralidade, comprar, seduzir, extorquir o quanto mande o figurino, mas o menino nada, só pensa em um dia ser papa. Já a filhinha não, esta era ladina, fazia todos os gostos do pai, dizia que ia para o teatro com fulaninha,pegava o carro e ia com fulaninho para as baladas, para cafofos, forrós, arrasta pés, bailes funks e muitos ambientes poucos saudáveis como aqueles bailhinhos que na tabuleta da porta encontra-se registrado: mulé feia não paga mais também não entra.Era também muito mandona, prepotente, espalhafatosa, cheia dos direitos, enfim uma pessoa com índole não muito afinada.Outro dia em uma discussão com uma outra da laia dela , chamou-a de rapariga e a parceira aos gritos retrucou: quando falar comigo ou de mim, dobre a língua! E ela incontinente dobrou (literalmente ) a língua e prossegui: rê –pa-ri-ga, rê-pa-ri-ga !
Já o filho do adultério, o mais velho, esse sim, lhe dava bastante alegria. Ortoépio, era esse seu nome, era a cara do pai, até os traços nipônicos ele tinha, e tinha sido sua caricatura durante os primeiros passos e infância.
Esse sim, queira ser político a todo custo; cedo aprendera a mentir, a iludir, a fruticar, a se propor a ajudara a alguém com a melhor das boas vontades mas por trás o intuito era sacanear e tirar proveito. O pai muito entristecido cedeu às exigências dos filhos e cada um seguiu sua profissão. Jr. se consagrou padre mas nunca passou do primeiro plano da hierarquia sacerdotal, pelo que se sabe passou o resto da vida pregando numa igrejinha pra lá dos cafunés dos Judas, interior de não-sei-das-quantas. Emenergilda chegou a cursar uma faculdade de direito, uma ppp, ou seja, a mesma coisa do pai, mais desistiu logo de início, pois a preguiça e as baladas não deixaram o sonho do pai se realizar. Segui mesmo a carreira nobre de dançarina de banda de forró. Hoje está muito bem na vida, casou-se com o vocalista numa igreja evangélica, o Eleotério C. Grande (C de cobra) e quando não está lavando o guarda roupa da banda está ensaiando ou cantando em tudo que picadeiro de circos e barzinhos pouco afamados.
Mas voltemos ao bastardinho. Seu nome Epaminondas. Esse glorificou o pai. Cresceu comprando gado, tinha uma caixinha cheia de grilos, daí puseram-lhe o apelido de grileiro. Tinha sociedade com quase todos os amigos e finalmente, depois de armar uma cilada a um político local, chantageou-o e entrou para a política no partido da vítima. A armação foi muito bem feita, mandou sua própria esposa que era um pedaço de mal caminho, seduzir o velha guarda e no momento que ele estava com a boca na botija ele os fotografou e ameaçou mostrar a foto à mulher do infiel parlamentar que diga-se de passagem era uma verdadeira cobra.Daí até a diplomação a coisa foi rápida.
Agora, passado tantos anos, vamos encontrar Teofildo alquebrado pelas intempéries da vida, cabisbaixo, pensativo, circunspecto, nauseabundo, chefe da clã, em muitos momentos analisando o que havia feito de bom ou de mal durante toda a sua vida e achava que todo mal que se abatera sob ele e sua família, só podia ser inveja, aves de mal agouro, perseguição ideológica. Em seu julgamento íntimo, Epaminondas era inocente. Não via erro em desviar um pouquinho de dólares do orçamento, afinal, quem não faz isto? Não via erro em outras falcatruas porque levante um dedo quem já assumiu esse cargo um dia e nunca se beneficiou dele, da função, do conhecimento, do relacionamento saudável do toma lá da cá?E o pobre, só porque a mulher que ele mantinha, por anos, em cárcere privado, tendo conseguido escapar do cativeiro o denunciara às autoridades. Mulher cruel, não precisava falar da mala, do comprometimento com o roubo de carga, com o superfaturamento, com adulterações em notas fiscais, com distribuição de colchões nas comunidades carentes às vésperas de eleições e só por isso os seus pares, todos com telhado de vidro, pediram a sua cassação.
Orientou o filho o quanto pode e às vésperas de ser cassado seu filho amado renunciou ao cargo para fugir da cassação e só restava agora achar força para no próximo pleito reeleger aquele filho que lhe proporcionava tanta alegria.
Teofildo em silêncio, somente com seus pensamentos, agradecia aos céus pelo seu menino ter sido tão ladino, provando que havia aprendido com as lições do pai, seus conselho suas observações, não esquecendo que o melhor ataque é a defesa e que não podendo com o inimigo o melhor é se aliar a ele. E muitas falcatruas que ele jurava que nunca as fez passa pela sua lembrança sem o menor sentimento de culpa, afinal o mundo é dos mais espertos, quem for fraco que se arrebente, a fila andou e quem não acompanhou dançou. Gostaria imensamente de escrever suas memórias mais era impossível , pois se alguém descobrisse ao menos metade das desonestidades por ele cometidas, juntamente com seus pares, até o coisa ruim iria querer condená-lo, imagine os pobres mortais.
E aquela vida cheia de encantos e desencantos chegava a um estágio que exigia descanso e passando o bastão ao mais velho dos seus filhos bastardos Teofildo podia finalmente se aposentar e hoje quase que no anonimato colheria os frutos que a vida lhe plantou.
E para finalizar, se você não é bonito, se não nasceu em berço de ouro ou em uma família soberana, se seus filhos não gostam de suas orientações, se sua amada lhe põe chifres, se está triste, abatido, desanimado, procure seguir os ensinamentos que lhes são oferecido nessa cartilha da vida a cartilha do Teofildo que você ao certo prosperara´,só não sei se será feliz.

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