17 maio, 2008

O TEMPO


O tempo é implacável; não volta mais. É como a correnteza de um rio, não para. E de repente você sente como se fosse ontem que todos os fatos aconteceram. Seus cabelos começam a rarear e alguém maldosamente já se refere a você como o" pouca telha, o aeroporto de mosquitos o cabeça de ovo" e outras cabeças. Seu andar já não tem aquela firmeza de outrora e seus entes queridos ao lhe verem se levantar pela primeira vez no dia, dizem em tom de gracejo: é o Robocop. Seu hálito não exala mais aquele odor delicioso do passado, tão perfumado, o verdadeiro cheiro de rosas, e até sua fiel companheira de jornada, quando você lhe diz: bom dia! Ela lhe olha com espanto e indaga: comeu urubu ? E você humildemente lhe informa: é que ainda não escovei a dentadura. Aí ela faz um muxoxo e virando-lhe as costas sai dizendo: Aí nem formol. Se você fica de cuecas na frente de um jovem ele nunca imagina o quanto foi esbelto, ombros musculosos, barriga de tanquinho, bíceps arredondados, glúteos rígidos, coxas rígidas, pernas alongadas e grossas, e hoje seus ombros caídos, uma proeminência no lugar do que fora antes o abdome, flacidez dos bíceps, bunda mole, coxas pelancudas, pernas finas e arqueadas, um jovem por certo dirá parece um caçote ou mesmo um girino grande.
No início essas coisas eram ditas em tom jocoso mais com o convívio diário e o passar dos tempos foram se consolidado como verdadeiras.
Seu esfíncter antes rijo, hoje está todo frouxo e vez por outra ao tentar impingir uma pressão maior para expelir gases, você termina se cagando. O bráulio, aquele gladiador, dorme em berço esplêndido e alguém ao se referir a ele, não para gloarificar um passado heróico, mais para reverenciá-lo através de canções, como uma música em ritmo de forró que diz: acorda falecida, acorda falecida; não me deixe na mão, me dê um sinal de vida.
Aquele tórax largo hoje estreitou. As pernas antes meio grossas, hoje parecem uns cambitos. O olhar altivo hoje parece mais o de um peixe boi. As unhas dos pés ficaram tão deformadas que só com tesoura de aparar grama podem ser aparadas. Seu rosto macio, liso, imberbe, se transformou num maracujá de gaveta. Suas mãos firmes que na privacidade dos banheiros tantos prazeres e fantasias lhe ajudaram a ter, hoje trêmulas não conseguem nem mesmo limpar direito as nádegas após o despejo de mais um arubu desodorizado e lhe vem à mente saudosamente aqueles momentos encantados em que gritava : mãe, acabei! Os dentes, estes sim, estão conservados – alguns – Quando se tem o de cima não se tem o de baixo e vice-versa, mas a natureza é sábia e suas gengivas endurecidas corta até solado de sapato. Sua voz antes estereofônica, romântica, grave, hoje mais parece voz de gralha, do Tiririca. Suas nádegas lisas, redondas,protuberantes, hoje está cheia de brotoejas, coceiras, cravos e espinha que mais parece o mapa da palestina.
Tudo no seu humor parece estranho inaceitável; o comportamental difere dos padrões que recebeu e tudo é objeto de crítica de insatisfação. É aquela criança que vai se fazer um agrado por estar chorando e ela vai logo dizendo : otário, não te conheço, você e bicha, sua mãe é puta, seu pai é corno, sai de perto de mim bundão. É o progresso, foi assim que caminhou a humanidade, é o aperfeiçoamento da civilização. As mulheares quase nuas na rua e nem baba mais cai da sua boca. Pais criando suas filhas como se estivessem no pasto, na engorda, para um dia eles as possuírem sexualmente. Homens musculosos falando com trejeitos de mulherzinhas. Filhos e filhas baixando o cacete em pais e mães. Mulheres ciumentas cheirando as cuecas dos maridos para descobrirem se estão sendo traídas e por trás dos panos metendo pares e mais pares de chifres nos abestalhados. A permissividade sexual está no topo da sacanagem. A roubalheira é
a melhor do planeta. Tem cartões corporativos pra todos os lados. Tudo está de ponta cabeça. E você que foi fiel a tudo e a todos, que nunca se envolveu em falcatruas e viveu pobre e honestamente, hoje vê-se desprezado pelos seus, encostado num pensionato e aquela mulher ali na sua frente com uma palmatória e um prato de comida lhe dizendo engula tudo ou entra no pau, faz com que você repense se valeu realmente a pena e esforçando-se para lhe enviar um sorriso, pensará: agora é a minha vez mais amanhã com certeza será a sua, sua filha da puta. E irá dormir cansado mais com o sentimento, de que fez o que pode, fez o seu melhor.

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