25 novembro, 2007

A educação contemporânea


Os dois se conheciam de longos e longos anos sem que no entanto houvesse uma proximidade entre eles., Quando crianças moravam no mesmo bairro; um na sua quase mansão, outro na sua humilde casinha que lhe parecia ser também uma bela mansão.
As suas mamães se conheciam de vista e se referiam uma à outra como a mãe rica e a mãe pobre. A pobre, sofrida, humilhada, passou todo seu tempo a lavar, passar, cozinhar, costurar, etc, para seu marido e filhos.
Trabalho árduo o de dona de casa: mãe, conselheira, esposa, mestra, pacificadora e demais funções extra curriculares que são atribuídas às zelosas e dedicadas mães. Uma
economia aqui, outra ali, um remendo numa calça, numa cueca, um engraxar, um espanar e aí por diante.
Com tantas tarefas, à mamãe pobre ainda sobrava tempo para com extrema paciência cuidar dos estudos de seu caçula que se iniciava nas primeiras letras. Por viver tão modestamente o nosso herói pobre quase não tinha brinquedos e sua preferência era por um velho aro de pneu (roda) de bicicleta que na sua imaginação era o carro.
Voltando um pouco à mamãe pobre, façamo-lhe justiça e acrescente-se ao seu curriculum que ela era (continua sendo) um poço de virtudes, bondade e honradez.
Agora passemos à rica, à mamãe rica,. Era forte, bela, olhar dominador, sexy, gestos espalhafatosos, filantropa (desde que fosse comentada nas colunas sociais e ficasse com parte das doações), tinha entre outros apelidos o de Abrigo de Velho, pois segundo línguas venenosas e ocultas, ela era uma pessoa que "dava muita sopa".
Nunca tinha tempo para o maridão que não se sabe até hoje porque ele andava
sempre de cabeça baixa, como se algo tivesse pesando no seu frontal e não o deixasse erguer a cabeça
As babás se encarregavam das crianças, as copeiras da copa, as cozinheiras da cozinha e assim por diante, cabendo-lhe (à mamãe rica) árdua tarefa de administrar com mão de ferro aquele exército de empregados e empregadas.
O estudo de seus filhos e em especial o do caçula ficava a cargo dos mestres e mestras que operavam em turnos remunerados..
O caçula pobre, esmerado, educado, tímido, obtinha as melhores notas mas nunca atingia a primeira colocação. O caçula rico, relaxado. Displicente, extrovertido, mal criado, não se importava em estudar mas, não se sabe explicar ou não se queira explicar, era sempre o primeiro da turma.
Como fica impossível falar das mães sem se referir ao outro lado da moeda vamos nos reportar um pouco aos seus respectivos papais, pois nossos heróis também gozavam um pouco da companhia de seus progenitores.
O pai rico, embora ninguém falasse na sua presença, era batizado pelos amigos e vizinhos com o pseudônimo de xifronildo. O pai pobre de Simplório.
Quando Xifron ( forma carinhosa de xifronildo) chegava em casa era sempre cansado, mal humorado, deprimido e quase nunca ligava para os filhos ou lhes acenava com qualquer tipo de carinho, embora cobrisse-os de presentes caros, brinquedos eletrônicos, viagens turísticas, etc. Apelidava carinhosamente seu caçula com um pseudônimo muito sugestivo e um tanto quanto forte. Quando chegava e não estava tão aborrecido chamava-o pelo apelido para que ele se sentasse em seu colo e lhe dizia meigamente: " senta aqui no colo do papai brinquedo do cão".
Brinquedo do cão carinhosamente lhe atirava um objeto qualquer e quase sempre lhe quebrava os óculos e quando não o feria na testa, acertava sempre uma pancada entre as pernas.
Já o pai simplório nada trazia para o filho em matéria de brinquedo. Quando as coisas melhoravam um pouco costumava lhe presentear com uma banda de rapadura que acreditava iria ajudar no fortalecimento da dentição. Mas ao chegar em casa ficava muito feliz vendo seu caçula crescer brincando quase sempre a empurrara um caixote de madeira e gritar : " Olha o lixo aí gente ! ".
Ele se enchia de brios e pensava: esse aí tem futuro, ainda vai ser gente.
Papai rico, apesar da carranca e olhos cabisbaixos, às vezes trazia fitas de vídeos para o nosso querido riquinho e à medida que iam assistindo à àquelas fitas didáticas como por exemplo, predadores da natureza, a baleia assassina, o tubarão sanguinário, carcará sanguinolento, ia lhe fazendo ilustrações, comparações, iniciando-o no mundo competitivo dito financeiro e globalizado.
Já Simplório ao contemplar seu pimpolho na sua imaginação infantil, sonhando em ser útil à sociedade através das profissões ora de lixeiro ora de coveiro, tirava uma cordinha do bolso de trás da calça, passava no pescoço do pobrinho e saía brincando com ele horas a fio, cada um dando as maiores risadas, não se sabendo quem aestava mais feliz, se pai ou filho.
Era para ambos os pais momentos inesquecíveis de alegria e raro prazer, quando estavam na companhia de seus caçulas.
Certa vez houve a oportunidade de reunir nossos dois personagens, o rico e o Pobre, em uma festinha de aniversário, sendo ambos ainda muito infantis. Mamãe pobre, mesmo estando toda feliz pelo convite, ficava aflita só em pensar que seu filho pobre poderia causar má impressão perante os demais convivas e recomendara à exaustão que ele se comportasse bem. Que nada pedisse e se lhe oferecessem algo, aceitasse com parcimônia. Se mantivesse longe do bolo pois temia que, sendo pobre, qualquer erro, engano, falha, seria creditado à falta de educação que tinham os pobres. Mamãe rica não fez nenhuma observação a seu caçula, apenas mandou sustar o jantar, pois com o estômago vazio seu queridinho ia "lavar a égua" como todo bom "boca livre".
A festa transcorreu na maior animação .Mamãe rica divertiu-se a valer com a falta de jeito e cultura da mamãe pobre. No íntimo tinha até pena dela, coitada: acabada, embora tivessem a mesma idade, mãos cheias de calos, pudica, dizia nunca ter metido um chifre sequer no marido, que era quase idolatrado por ela. E a pobre ainda se orgulhava de ter um marido honesto nos tempos de hoje.
Na hora do bolo foi aquela algazarra com as crianças mais bem educadas financeiramente invadindo tudo e se apossando no peito e na raça de seu pedaço cada vez maior.
O nosso pobre herói ou herói pobre não se mexeu do lugar obedecendo aos bons princípios da boa educação que emanavam de sua pobre mãe.
Ao final da festa o nosso herói rico e sua mãe estavam felizes e radiantes. O nosso riquinho quase não podia respirar de tanto ter comido bolo e tudo mais que tivesse podido comer. O pobre, coitado, naquela noite foi dormir com a barriga batendo nas costelas, pois nem um naco de bolo teve oportunidade de provar.
E assim cresceram os nossos heróis. Um Parcimonioso, educado, estudioso, honesto, eficiente, o outro, mandão, preguiçoso, ladino, maldoso, vil e ganancioso.
Como naquela festinha infantil quis o destino que os dois voltassem a se encontrar numa fase bem adulta.
O rico, presidente da firma, o pobre, o simples funcionário.
O rico, rosado, forte, belo, altivo, soberbo, ares de autoridade, espartano, olhar duro e insensível.
O pobre, pálido, fraco, de beleza exótica, cabisbaixo, submisso, troiano, timidez no olhar.
Os dois estão agora frente a frente. Um a reclamar e esbravejar e o outro apenas assentindo ou meneiando a cabeça que já começava a rarear os cabelos.
A mamãe rica, agora uma velhinha virtuosa, casta, cândida, observa aquele encontro com muito orgulho e pensa radiante de felicidade:" Fui eu quem o educou!".
A mamãe pobre, aparentando ser muito mais velhinha, alquebrada, doentia, amargurada, de fora da sala também observa a cena, balança a cabeça, fica um tempo contemplativa e finalmente olha para o céu e diz ; " Ó Deus, onde foi que errei ?

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