25 novembro, 2007

Unanimidade




Sou uma pessoa cheia de complexos. Desde criança sinto ser um ser diferente dos demais seres humanos. Hoje resolvi, depois de tantos anos de vida, comparar o meu cotidiano com o seu amigo leitor, e verificar se sou realmente único ou temos algo em comum.
Dizem os contemporâneos de meus pais que quando nasci alguém lá dos altos das nuvens mandou que a forma em que eu teria sido moldado fosse imediatamente destruída, o que me tornou uma unanimidade. Dizem os mesmos que eu era lindo, bochechudo e nos primeiros dias era loiro e os cabelos pareciam com os cabelos das bonecas de milho. Meus olhos eram azuis, embora quase não fossem vistos devido aos inchaços de minhas pálpebras. Ao terceiro dia meus cabelos loiros caíram e no local brotou uma carapinha preta. Os olhos se acastanharam, as bochechas cresceram mais ainda e comecei a eliminar gases fétidos pelo orifício anal, até hoje.
Também no terceiro dia não me contentava com mingau ou mamadeira, queria mesmo era caldo de sururu , refresco de jaca, sopa de caroço de pitomba, rapadura líquida e adorava bunda de tanajura frita.
Dizem também que devido a uma febre alta que me deixou com a retaguarda cheia de
Crateras, estando quase moribundo, pois as moscas já pousavam dentro dos meus olhos depositando seus óvulos e nada de eu oferecer qualquer tipo de resistência.
Nesse estado doentio fui levado à presença do padre da paróquia local, o padre Pinto, à época considerado um tarado e se fosse hoje era pedófilo.
O bondoso e safado padre olhou para mim, depois para a minha mãe, e disse-lhe: leve-o de volta. Se daqui a mais três dias ao jogá-lo na parede, se ele não latir, traga que eu batizo.
Fui batizado, cresci parecendo um espigão e finalmente fui para a escola estudando somente o PI (primário interrompido) com média sofrível. Toda vez que tirava nota escolar acima de cinco era muito elogiado em casa e recebido a bolo de fubá com chá preto..
Todo tipo de obstáculo tive que transpor durante a infância e a adolescência. Tímido, soturno, cabisbaixo, quase não me envolvia em qualquer tipo de encrenca, as encrencas é que gostavam de mim. Os bonitinhos, os filhinhos de pais mais aquinhoados sempre que cometiam uma travessura e eram descobertos punham a culpa em mim. Como era bobo não sabia me defender e sempre pagava o pato pelos outros. Era um bobalhão, um Mane, um Zé, e porque não dizer um Zé Mane.
Dizem que o homem nasce, cresce fica abestado e se casa. Comigo também foi assim. Casei-me e fui muito feliz. Logo nos primeiros dias minha mulher me deixava dormir debaixo da cama com o cachorro mas com a continuidade daquele feliz casamento fui parar no sofá da sala. Minha esposa muito amorosa me incentiva muito em todos os aspectos. Quando quero comprar um objeto barato para mim, ela, muito econômica, sabendo que o produto não vale a pena, não me deixa desperdiçar dinheiro, só devo gastar com coisas boas para ela e para os filhos, os irmãos, os cunhados, os vizinhos, etc.
Ficar irritado, nem pensar, pois se eu fizer uma grosseria, e às vezes eu o faço, contra qualquer objeto ela fica ressentida por demais e ameaça botar a mãe dela dentro de casa para protegê-la, ou seja, mais uma boca.
Desde a época do namoro até a data de hoje, minha mulher cultua o bom hábito de estar sempre me comparando com os outros. Diz ela : fulano ganha o mesmo que você, é raparigueiro, trapalhão, cachaceiro, safado mas na casa dele não falta nada, lá tem tudo do bom e do melhor, neuzinha todos santo dia faz as unhas, vai a cabelereiro
sempre, já suspendeu a bunda três vezes, e aqui em casa é esse misere. Pra comprar uma coisa pra dentro de casa é o maior sacrifício. Fulaninho se aposentou mais ta aí trabalhando, até coveiro já foi pra ganhar um dinheirinho a mais, só você é que vive aí chocando os ovos. Se eu soubesse que você era tão incompetente, teria me casado com Tonhão das coisas grandes, esse sim é maridão. Ainda essa semana cobriu a Zenaide, aquela rapariga, no cacete. Você só vive suado, basta lavar minha dúzia de pratos que fica com esse perfume de macaca.
Fogão, geladeira, sofá, cama, televisor, já comprei tantos que perdi a conta. Ficou velho compra-se outro, não importa o quanto eu esteja endividado, e contempla-se a um parente mais pobre com o usado quase novo. Quase sempre ainda atenho que pagar as despesas com transporte , o frete.
Quando reclamo de qualquer tipo de dor vem logo a resposta na ponta da língua: não sou médica nem veterinária, procure um doutor. Também vocês homens são uns frouxos, qualquer dorzinha é essa frescura todo. Tem gente que vêm ao mundo só pra dar trabalho pos outros.
A vida sexual do casal deve ser preservada e me abstenho de aqui relatar alguns pormenores que por certo é comum a todos os casais, principalmente no que se refere à vida íntima, sexual, pois tendo me casado virgem(donzelo), de imediato entrei para a sociedade dos P. D. ou seja Perus Domésticos. Mas guardo com muito carinho aquela primeira vez, pois a primeira vez, dizem , a gente nunca esquece.
Entramos nos aposentos nupciais com certo nervosismo e timidez. Mas ao apagar-mos a luz o clima seguiu como o combinado. Nos despimos no escuro, deitamos um ao lado do outro e eu me cobri com um lençol. O lençol tinha um buraquinho redondo por onde deixei passar as coisas e ela se deitou por cima e botou um travesseiro na minha cara (até hoje não entendo porque) e daí pra frente, quando descobrimos o caminho das pedras, foi só cachorrada que hoje vocês chamam de love.
Acho que me alonguei demais na parte do casamento, mas quero falar alguma coisa sobre os filhos. Foi um viver no paraíso; apareceram sempre nas épocas mais incovenientes, de maior aperto financeiro. Mas foi uma bênção. O primogênito se parecia muito comigo, exceto o sexo, pois o menino desde pequeno já apresentava o membro tão avantajado que ao nascer a parteira já comentava: deve ser filho de jumento. Logo, logo , recebeu o pseudônimo carinhoso de cacetão.
Era uma criança linda e meiga; desde cedo aprendeu a atirar objetos em mim e carinhosamente me quebrou seis óculos.
Cresceu lindamente preguiçoso. Podia estar feliz como fosse, mas se falasse para ele a palavra trabalho, a criança já um jovem, arrebentava tudo que tivesse em sua frente. Infelizmente aos quarenta anos de idade resolveu sair de casa e foi cuidar zelosamente de sua vida. Hoje vive muito bem,, graças ao criador e só deve a duas pessoas
: Deus e o mundo.
O segundo filho era ou melhor dizendo é fêmea. Diferente do irmão gostava de trabalhar e pouco de estudar. Cedo deu-nos um grande desgosto e saiu de casa para viver por conta própria. É raro o mês que não me pede ajuda. Sem querer elogiar e ao mesmo tempo elogiando, dá-me a impressão que é meio tranbiqueira.
O terceiro filho também uma fêmea é um amor de criatura. Enquanto o primogênito ao ouvir a palavra trabalho só faltava destruir o prédio essa é mais especializada. Não é chegada a um trabalho mas em compensação se disser vá estudar, ela roda a baiana, quebra tudo e se eu levantar a voz ela diz logo que se me bater ela dará parte de mim na delegacia da mulher pois é pra isso que existe a Lei Maria da Penha
Às vezes durante todo esse trajeto me revoltei sabendo estar com a razão, mas minha adorada esposa logo me recriminava. E me fazia entender que o errado sempre sou eu.
Sempre fui meio calado, meio metido a machão, não ,admitindo umas certas modernidades, mas por sobrevivência tenho ,admitido coisas que no passado recente, talvez não admitisse.
No presente momento questiono ao amigo leitor mais uma vez, se não estou certo em querer comparar a minha vida à sua.
Vou relatar aqui apenas uma pequena parte dos últimos episódios que recentemente me vejo envolvido.
O terceiro filho, que é uma filha, está namorando, segundo ela e a mãe, pela primeira vez. O jovem bem apessoado, mal educado, sem eira nem beira, um Zé ninguém, foi entrando com ela aqui em casa calado, de cara fechada, sem ao menos me cumprimentar, dizendo elas que era apenas amigos. Me senti como sendo porteiro da casa da mãe Joana. Começou o namoro até oito, nove da noite e foi se alongando. Hoje ele só vai para casa depois que eu me aborreço e lá pelas duas da madrugada.
No início era um copo com água; depois veio o cafezinho, o café com leite, o pingado, o pão na manteiga,. Veio o almoço, o jantar, o lanche das dez e das quinze horas e a ceia das vinte e uma horas.
Fui agraciado com mais um comensal, mais uma boca e que boca !
Outro dia comprei uns pães de queijo de minas e como são glutão, lá pelas tantas quase fui expulso de casa pois comi dois dos pães que estavam reservados ao futuro genro.
Agora tenho que ir mais vezes aos supermercados; tenho que comprar mais gêneros, lavar mais pratos, dormir mais tarde e o que está me irritando mais, embora eu esconda esse sentimento pernicioso de meus familiares, é ter que todas as noites , religiosamente, antes de me deitar ter de desentupir o vaso sanitário, entupido pelo futuro genro.
Volto às minhas primeiras linhas e retomo a pergunta inicial: sou ou não sou "sui-gêneres" ? Ou será que sou apenas um lugar comum como todos os outros seres humanos e em especial pais e maridos ?
Você avalia e decide.

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